quinta-feira, 29 de outubro de 2009

INDIGNAÇÃO


Indignação

Nosso povo é enganado
Pela corja de ladrões
É ladrão pra todo lado
Parecendo furacões
Banqueiros e magnatas
Marajás e tubarões.

Nossa vida é levada
Por políticos desonestos
Daqueles com a mão suja
Fedendo de merda e brejo
Surrupiam a fazenda
E os anais lá do Congresso.

Fico triste em saber
Da corrupção ativa
Do Senado Federal
Até de dona Marisa
Que queria criar galo
Nos fundos lá do palácio
Com milho, fubá e alpista.

Só nos resta é resistir
No interior de uma Guarita
Onde o PARRABUFADO canta
É legal! É extremista
E nesta conversa fiada
Fico sempre na estrada
Da defesa trabalhista.

sábado, 4 de julho de 2009

CARTA AO IRMÃO 2004.



Meu amigo e irmão
Venho aqui pra te dizer
Que no mundo em que vivemos
Temos muito que aprender.
II
Temos que viver atentos
Entre homens insensatos
Meliantes, insanos
Idiotas e muitos falsos.
III
São políticos mentirosos
Funcionários e meretrizes
Engenheiros, padeiros
Guardas noturnos e atrizes.
IV
Vivemos entre profetas
Militares e liberais
Médicos, dentistas
Domésticas e policiais.
V
Uns contemplam a desgraça
Outros não sabem amar
São marinheiros desprovidos
Que não sabem nem nadar.
VI
Homens de fraca moral
Gente sem esplendor
Pessoas inertes na vida
Criaturas sem pudor.
VII
Mas existe, porém
Aqueles mais abastados
Desbravadores da vida
Perfeitos e acatados.
VIII
São poetas e escritores
Padres sensacionais
Dignos doutores
Pastores universais
IX
São homens sérios
Juízes, naturalistas
Personagens que interpretam
O mundo dos artistas.
X
Eles falam da moral
Pregam a dignidade
Materializam até a virtude
E dizem não a iniqüidade.
XI
Entre vitórias e derrotas
Risos e lamentações
Amigos e inimigos
Que maltratam corações.
XII
Temos que nos projetar
Para um futuro bem melhor
Dedicar a nossa vida alegre
Para um mundo bem maior.
XIII
Porque somos fortes e obstinados
Somos ricos com modéstia
Participamos com coerência
Do último estante da festa.
XIV
O que nos resta é lutar
E saber também perder
Temos sempre que amar
Lutando para vencer.
XV
O mundo pertence a nós
A vida não é breve é linda
A força que nos constrói
Nunca se perde na vinda.
XVI
Temos que aprender a sorrir
Desprender nossa alegria
Sentir o poder brotar
No primeiro momento da cria.
XVII
Temos também que ser leal
Viver uma vida correta
Rejeitar todo o mau
Dispensando o que não presta.
XVIII
Aquele que é verdadeiro
Na vida um professor
Sempre vai dizer primeiro
Na vida sou vencedor.

Cordialmente,

José Carlos Tibiriçá Pinheiro

segunda-feira, 22 de junho de 2009

ANTONIO LIMPA RUA















Esta historia interessante
Que agora passo a contar
É de Antonio Limpa-Rua
Que andava sem parar
Pelas ruas da cidade
Apesar de sua idade
Não deixava de andar.

Certo dia Limpa Rua
Como era conhecido
Catava papel no lixo
Era todo esquisito
Do seu lado um vira-lata
O seu verdadeiro amigo
Nunca teve inimigo.

Seus cabelos inrrolados
De estatura mediana
Uma barba lambuzada
Feito rolete de cana
Só andava fedorento
Vivia sempre ao relento
Era grande a sua fama.

Outro dia vinha Antonio
Com um saco grande nas costas
Cheio de lixo fedendo
Do seu lado uma cabrocha
Uma lapa de preta danada
Que se tornou sua amada
Companheira e devota.

Chamava-se Severina
A preta de Limpa Rua
Só vivia embriagada
Com um pé de burro no bico
O olhar um tanto atrevido
Nunca foi de dar ouvido
As pessoas do abrigo.

Quando foi verificar
A produção de papel
Limpa rua observou
Que um papel caiu do céu
Um bilhete enumerado
Tava todo enrolado
Numa folha de papel.

Limpa Rua alegrou-se!
Danou-se pra loteria
Conferiu todos os números
Ficou cheio de alegria
Levou até um porrete
Que era pra danar o cacete
Naquele que lhe seguia.

Ai, veio à confirmação!
Do bilhete premiado!
Limpa Rua ficou rico
Não é mais pobre coitado
Nunca mais vai juntar lixo
Nem andar como mendigo
Ou Todo malamanhado.

Com seu vira-lata e Severina
Limpa Rua foi embora
Ninguém sabe para onde
Sumiu como a aurora
Nunca mais vai passar fome
No relento da cidade
Onde dormia sem mora.

Autor: José Carlos Tibiriçá Pinheiro

sexta-feira, 8 de maio de 2009

NARRAÇÃO MATUTA DE FUTEBOL


Este futebol matuto
Que agora passo a narrar
Sucedeu-se em Pernambuco
Bem perto do Ceará
Foi o jogo mais difícil
Que eu vi no meu ofício
No sertão de Deus dará.

Foram dois times que jogaram
Na terceira divisão
Um se chamava Prado
O outro de Conceição
O Prado era de casa
E seria uma desgraça
Perdendo pro Conceição.

O Juiz entrou em campo
Com uma grande missão
Era um juiz bem novinho
Com um apito na mão
Os bandeirinhas esquisitos
Perecendo dos mosquitos
Com a flanelinha na mão.

O plantel era composto
Com a seguinte escalação
De um lado o time do Prado
Do Outro o de Conceição
Que assim se resumia
E a negrada com alegria
Esperava a escalação.

O Time do Prado jogava
Com CHICO DO BODE
PEZÃO, PEITICA, ZÉ DE MARIA E CABEÇÃO.
ANANIAS, BARTOLOMEU E TRINDADE.
ZÉ DA BURRA, CU DE PUIGA E NEGÃO.

O Atlético de Conceição
Com CHICO DE ASSIS.
ZEZINHO, TOINHO, VAQUEIRO E BUREGO.
MALAQUIA, LOURIVAL E ESQUERDINHA.
LOURO ZÉ, JOAQUIM E ANTONIO PADEIRO.

E o jogo começou
Bola vai e bola vem
Louro Zé pegou a bola
Chutou sem saber pra quem
Esquerdinha que era craque
Tabelou e deu combate
E fez gracinha também.

PEITICA era baixinho
E duro de porrada
Matou a bola no peito
Como na encruzilhada
Deu a bola pra PEZÃO
Que jogou com CABEÇÃO
E fez uma linda jogada.

CHICO DE ASSIS era alto
Um goleiro de primeira
Deu a bola pra BUREGO
Que só jogava na feira
Passando pra MALAQUIA
Deu o drible que queria
Mais estava na banheira.

Numa certa ocasião
O juiz deu uma falta
De ZÉZINHO em ZÉ DA BURRA
Uma lapa de mãozada
Quase que o homem mata
O pobre de ZÉ DA BURRA
Numa infeliz jogada.

CÚ DE PUIGA foi bater
A falta bem colocada
Ajeitou bem a pelota
Não tinha medo de nada
Deu um chute tão potente
Que até o presidente
Levantou-se com a jogada.

CHICO DE ASSIS aperreado
Bateu o tiro de meta
LOURIVAL matou a bola
Quase dava bicicleta
Lançou para JOAQUIM
Que tava lá em Pequim
Com a boca na gamela.

CABEÇÃO faz uma falta
Dentro da pequena área
O juiz marca o pênalti
E a torcida se exalta
MALAQUIAS se agita
E a torcida toda grita
GOOOOOOOOOOL!
Lavou-se mais uma alma.

Logo após uns dois minutos
VAQUEIRO lança BUREGO
Matando a bola no peito
Deu um chute tão certeiro
Que furou até a rede
A potencia do porrete.
E, a torcida grita GOOOOOOOL!
Foi do jogador BUREGO.

No final desta partida
CÚ DE PUIGA se estranhou
Com JOAQUIM e BUREGO
Que até ANTONIO PADEIRO
Sofreu à vezes da dor
Falou para CÚ DE PUIGA
Que deixasse de rancor.

O juiz correu aflito
No final desta refrega
Temendo outro combate
Com a turma da galera
Deixou o campo agitado
Jogou o apito no mato
E disse ninguém me pega.


Autor: José Carlos Tibiriçá Pinheiro.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

A MORDIDA DA SOGRA




Esta história engraçada
Que agora passo a contar
É de uma sogra medonha
Que só vivia pro lar
Ela era tão danada
Se fazia de coitada
Para o genro não falar.

Um dia Margarida
Como era conhecida
Partiu pra casa da filha
Fazendo-lhe uma visita
Falou da saudade apertada
Que estava solitária
Parecendo uma guarita.

O genro desconfiado
Chamado Sebastião
Falou com todo cuidado
Das fazes da solidão
Dizia impressionado
Pra sogra bem ao seu lado
Parecendo um dragão.

Margarida desejava
Que o genro logo morresse
Pra ficar com sua filha
Só pensava em interesse
Fazia até macumba
E era um Deus nos acuda
Se Bastião entendesse.

Bastião por outro lado
Era um homem cuidadoso
Nunca gostou da sogra
Só fazia roer osso
Dizia que a sogra era cão
Que tava na contra mão
Do seu caso amoroso.

Falava que sua sogra
Parecia uma baleia
Tinha o bucho inchado
E por cima era feia
Vivia despenteada
Dizia-se iluminada
Feito uma lua cheia.

Margarida não gostava
Do seu genro Bastião
Dizia que era um chato
Baixo, feio, do dentão!
Sempre vivia zangado
Era um homem descuidado
Parecendo um leão.

Outro dia Margarida
Visitou Sebastião
Queria entrar no acordo
Com alguma condição
Pra morar com sua filha
Nem que fosse numa ilha
Falou-lhe de antemão.

Ai, Bastião enlouqueceu!
Com aquela situação
Partiu pra cima da sogra
Com um porrete na mão
Danou uma cacetada
Na sogra aperreada
Parecendo um limão.

E a sogra revidou
Partiu pra Sebastião
Tacou-lhe uma dentada
Na polpa de seu bundão
Que ficou tão dolorido
Faltou até o sentido
Vindo a cair no chão.

Então, só foi o que deu!
Pro pobre de Bastião
Tirou o corpo de banda
Correu feito um ladrão
Falaram que quando vivesse
Mesmo quando ele morresse
Jamais teria razão.

Autor: José Carlos Tibiriçá Pinheiro.







quarta-feira, 29 de abril de 2009

O SUMIÇO DE ZÉ COVEIRO



No sertão da Paraíba
Na cidade de Monteiro
Existiu um homem bravo
Chamado de Zé Coveiro
E o dono de um bar
Que gostava de falar
E era doido por dinheiro.

Zé Coveiro era um homem
De baixa estatura
Só vivia embriagado
Aprontando falcatrua
Com uma faca nos quarto
E um vira-lata ao seu lado
Era temido na rua.

Outro dia Zé Coveiro
Doido pra tomar uma
Vestiu o casaco de couro
Ficou cheio de frescura
Resolveu entrar no bar
Como se fosse seu lar
Brilhava feito uma lua.

O dono do bar era um velho
Chamado de Zé Bedel
Ele gostava de rinha
E por cima era ateu
Era um homem zangado
Nunca foi acuado
Sempre foi fariseu.

Ai, Zé chegou ao balcão
Pediu uma dose de cana
Tomou e cuspiu no chão
A primeira da semana
A cana era tão forte
A chamada brejeira do norte
Sempre mantinha sua fama.

Já bastante embriagado
Começou a ter visão
Uma foi de um aleijado
Acunhando-lhe com a mão
Outra, de um bebo safado
Que vinha ficar no seu lado
Para lhe pedir perdão.

Depois foi uma mulata
Lapa de mulher faceira
Zé coveiro se esqueceu
Que era uma segunda feira
Partiu pra cima da nega
Que nem um burro na peia
E deixo-se impressionar pela lábia da sereia.

Zé Bedel preocupado
Com aquela cabroeira
Resolveu cobrar dobrado
A farra doida brejeira
A conta ficou tão alta
Que o bebo do Zé se exalta
Quase fazendo besteira.

Então, veio a negociação
Da farra de Zé Coveiro
Falou que o seu patrão
Lhe devia um bom dinheiro
E que ia deixar no pendura
Mesmo sem uma estrutura
Honraria o companheiro,

Zé Bedel muito zangado
Queria qualquer garantia
Gostou da nega do Zé
Queria prazer e alegria
E, sem nenhuma explicação
Sumiu Zé na amplidão
E a nega deixou numa fria.

Autor: José Carlos Tibiriçá Pinheiro.

sábado, 25 de abril de 2009

VIADUTO SONRISAL




Existe um viaduto
Chamado de SONRISAL
É uma obra d’arte
Que não existe igual
Com o nome de remédio
Foi causa de muito tédio
Para o povo em geral.

O dito viaduto
Já nasceu rejeitado
Causou transtorno de transito
Foi grito pra todo lado
O povo todo temia
Se o viaduto tremia
Era obra do malvado.

A obra foi construída
Com material de terceira
Ferragem, cano e argamassa
Uma velha betoneira
Aterro por todo lado
Um projeto do passado
Que nem arroz de terceira.

A oposição reclamou
Do castigo encomendado
Foi falácia da tribuna
Discurso indignado
Teve até vereador
Que falou com muito ardor
Que todos foram roubados.

Ai, a coisa esquentou.
Veio a fiscalização
O fiscal veio de fora
Com uma pasta na mão
Todo parlamentado
Com assessor do seu lado
Parecendo um dragão.

Nesta mesma ocasião
Fizeram auditoria
Apanharam todos os dados
Correram para Brasília
Então, foi constatado
Que o SONRISAL foi taxado
De obra com anomalia.

Outro dia choveu forte
Na cabeceira da pista
Era água escorrendo
Por todo lado se via
O SONRISAL derretendo
E o povo todo morrendo
De raiva por mais um dia.

Para não sair mais caro
Resolveram reparar
A estrutura mal feita
Do SONRISAL sem contar
Com as perfurações refeitas
No centro e nas sarjetas
Para infiltração parar.

O viaduto custou caro
Quatro vezes o seu valor
Foi super faturado
Obra sem um esplendor
Uma ação tão corrupta
Que, além disso, se imputa
A falta de um Gestor.

São milhares destas obras
Que existem no Brasil
Que o povo bem conhece
E que muitas nem se viu
Deixando rico o prefeito
Que leva no fundo do peito
A obra que não serviu.

Autor: José Carlos Tibiriçá Pinheiro.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

ENGENHARIA POLÍTICA DE CABRESTO


Esta historia repentina
Que agora passo a narrar
Vem de duas classes distintas
Como a de um jogo de azar
Uma é de eleitor serpente
Outra é de político vidente
Aquele que vem explorar.

O perfil do eleitor serpente
É aquele que vem rastejando
Pedir ao político vidente
Até um metro de pano
Dinheiro, cachaça, dentadura
Tijolo uma sopa de verdura
Pra sair do desengano

O político vidente é aquele rabugento
Fala alto e engraçado
Diz que é criador de gado
E o protetor de muita gente
Faz previsão do futuro
E que nunca foi pão duro
Enterrou até indigente.

O eleitor quando encontra
Um político na sua frente
Fica tímido e agitado
Feito um cidadão carente
Com pá de ouvido inchado
De tanto ouvir transtornado
Promessa do tal vidente.

Político quando discursa
Parece um milionário
Vem todo de paletó
Cantando feito canário
Pra tudo tem promessa
Diz que nunca teve presa
E sempre foi partidário.

O pobre eleitor carente
Nunca soube nem votar
Pensa que uma eleição
É como um jogo de azar
Vota naquele mais forte
Que lhe promete a sorte
Que nunca vai chegar.

Tem político danado
Aquele que faz chorar
Ele fala emocionado
Fingindo que vai chorar
Deixa todo mundo em prantos
Como se fosse um encanto
Só com a força do olhar.

Terminando a eleição
Quem ganhou vai pra Brasília
Dentro de um avião
Beber vinho ou uísque com tira-gosto de pinha
Comer churrasco em mansão
Vitela, porco e salmão
Lagosta e camarão numa beira de piscina.

O pobre do eleitor serpente
Retorna com fome pro sertão
Em cima dum pau de arara
Traído na contramão
Como cachorro vira-lata
Se acomoda com cachaça
Calado de pé no chão.

Compadecido com a causa
Venho aqui pra lhes dizer
Que o voto é sagrado
É dele que faz viver
O sentimento do povo
O velho se torna novo
Pra quem sabe escolher.

Autor: José Carlos Tibiriçá Pinheiro.

domingo, 19 de abril de 2009

BARÃO X MATUTO


O Matuto é um homem
Que vive lá no sertão
É Cabra macho e valente
Sempre se encontra contente
É doido por aguardente
E só come com a mão.




O Barão é da elite
Mora sempre em mansão
Vive cheio de frescura
Convive na amargura
Não gosta de lisura
Recebe até mensalão.

O Matuto que se preza
Anda com chapéu de couro
Não sofre de pressão alta
Não é homem que se exalta
Por medo da classe alta
Que só pensa em tesouro.

O Barão quando se zanga
Fica todo enrolado
Perde o controle da vida
Aparece embriagado
Fica triste, enciumado
Não quer ninguém ao seu lado.

Matuto anda montado
Em riba de um jumento
Sempre com todo cuidado
Cuida do rebanho de gado
E se ficar bem folgado
Esquece do sofrimento.

Barão só anda de carro
Corola, Vectra ou Omega
Sempre no ar condicionado
Com uma mulher do seu lado
Tomando aquele cuidado
Parecendo um faz de conta.

Entre Matuto e o Barão
Na afinidade da vida
Não podemos duvidar
Dessas vidas esquisitas
Mais podemos desejar felicidade
Mesmo quando a despedida.

Autor: José Carlos Tibiriçá Pinheiro

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O RICO E O POBRE



Vida de pobre
Não tem regalia
Não tem o que fazer
No correr do dia-a-dia
Vai à feira sem comprar
Pede a Deus para lhe dar
Mais um dia de alforria.

O rico é exaltado
Na vida só faz mandar
Tem rico que é tão malvado
Que faz o pobre chorar
E quando fica zangado
Não quer ninguém a seu lado
Não perde por esperar.

Filho de pobre ao nascer
É preto ou mulatinho
Nasce chorando baixo
Não tem roupa nem carinho
Vive todo melado
Com sua mãe ao seu lado
Com seio de leite ninho.

Filho de rico ao nascer
Parece do outro mundo
É galego e sorridente
Só dorme sono profundo
Com a babá ao seu lado
Perece imaculado
Um rei que veio ao mundo.

Casa de pobre é casebre
De madeira ou papelão
E o coitado do pobre
Sempre dorme no chão
É pobre pra todo lado
Que relembrando o passado
Lembro-me de Damião.

Casa de rico é mansão
Habitam também em castelo
Vivem em grandes coberturas
Feitas com todo o critério
Com as torneiras de ouro
São donos até de tesouro
Parecendo um grande mistério.

Dieta de pobre é papa
Ovo com farinha e angu
Biju ou leite de cabra
Mistura de carne de anum
Farofa de carne seca
E para fugir de uma seca
Um caldo de goiamum.

Dieta de rico é filé
Ao gosto ou modo da casa
No molho de madeira e camarão
Entra até um salmão
Com azeite na frigideira
E uma rica salada lhe espera
Dentro da geladeira.

Rico não vive sem pobre
Pobre não vive sem rico
São duas classes distintas
E com detalhe eu lhe digo
Se o mundo aqui se acabasse
Mesmo se alguém se salvasse
Não fugia do perigo.

Autor: José Carlos T. Pinheiro

quinta-feira, 9 de abril de 2009

CAMPEONATO MUNDIAL DO PEIDO



Certo dia realizou-se
No estádio do Maracanã
O maior campeonato de PEIDO
Existente no planeta
Que passo aqui a narrar
Sem receio nem mutreta.

O peido é uma ventosidade
Transmitida pelo ânus
Fedorento por demais
Faz um estrago danado
A pesar de ser por traz
Vem a causar muito dano.

O ânus é um orifício extremo
Terminal do intestino
Pelo qual se expele as fezes.
Até merda de menino
Fede tanto como a nossa
Que me valha o Pai Divino.

O primeiro candidato
Foi um robusto chinês
Que veio desconfiado
Quando chegou sua vez
Soltou um peido tão grande
Que amanheceu no xadrez.

O segundo era um africano
Veio lá dos confins do Congo
Peidar no campeonato.
O barulho foi tão forte
Que eu só pensava na morte
Daquele pobre coitado.

Depois veio um alemão
Galego dos olhos azuis
Com a barriga inchada
Se encandeando com a luz
Espremeu que se apagou
Levou antes um ai Jesus.

A refrega era aplaudida!
Chegou o americano
Com o copo de bebida.
Antes de soltar o peido
Fez uma careta tão feia
Espantada e atrevida.


E o povo todo aplaudiu
O peido do americano!
Foi um peido de rojão
Daquele de lascar o cano
A arquibancada tremeu
O ar até se encolheu com o peido do americano.

E a galera gritava:
Já ganhou! Já ganhou! Já ganhou!
O alto falante dizia
Ainda falta mais um!
E a galera acalmou.
Logo depois se anunciou.

Venha então o brasileiro!
Magro, feio e amarelo
Parecendo mais um vaqueiro
Das bandas de Cabrobró
Com pá de olhos graúdos
Apresentou-se desnudo direto do xilindró.

E fez à maior muganga
Ficou parado em pé
Triste e encabulado
Fez uma força terrível
Que eu cheguei a dizer
Vem merda pra todo lado.

E a galera sentiu e foi o maior tumulto
O torcedor se evadiu com peido do brasileiro
Foi um peido de vento daquele que amarga o ar
Que ninguém jamais se viu coisa tão fedorenta
Que não dá nem pra explicar
Mais uma coisa eu sei foi o primeiro lugar.

Autor: José Carlos T. Pinheiro

quarta-feira, 8 de abril de 2009

A CAÇA DE PERIQUITO



"Vaqueiro do alto sertão"


Vou contar para vocês
Uma história engraçada
De um fazendeiro bravo
Que adorava uma caçada
E um vaqueiro matuto
Que não sabia de nada.

Num dia de lua cheia
De baixo do infinito
Sebastião Fazendeiro
Resolve chamar no grito
O vaqueiro Zé da Burra
Pra caça de periquito.

Zé da Burra era valente
Um vaqueiro destemido
Querido por muita gente
Mais era um homem atrevido
Que não deixava seu rastro
Pra qualquer inimigo.

Sebastião Fazendeiro
Que só andava zangado
Sabia que Zé da Burra
Era um pobre coitado
E partiu para caçada
Com Zé da Burra ao seu lado.

Antes de iniciar a caça
Zé então lhe perguntou:
Patrão por mais me conte
Pro que o si ô me chamou?
Sebastião respondeu:
Tu é um cabra valente! E ele replicou:

Sendo assim nós se apartemos
Pra vê quem chega primeiro
Uma empreitada desta
Só dá prá um bom vaqueiro
E um desafio deste
Eu sempre fui o primeiro.

Sebastião Fazendeiro
Se sentindo humilhado
Falou prá Zé da Burra:
Tu és um pobre coitado!
Vou te rogar uma praga!
Pro bicho ruim do teu lado!

Então, Sebastião Fazendeiro
Embrenhou-se de mato adentro
Queria chegar primeiro
No passado foi cangaceiro
Fez tocaia bem ligeiro
Pra pegar o primeiro.

Pobres dos periquitinhos
Vítimas de Sebastião
Que não tinha sentimento
Agia feito um ladrão
Roubando os periquitinhos
Da natureza com mão.

Zé da Burra atrevido
Entendeu bem diferente
Danou-se para a cidade
Fez contato com a gerente
Do cabaré de Marlene
Afim de um programa urgente.

Ele então solicitou
Três galegas atraentes
Três cachoras da molesta
Três jumentas inocentes
Daquelas de arrepiar
Até o fogo da gente.

Ai levou pra fazenda
As três galegas danadas
Encheu o peito de orgulho
Dançou xaxado no chão
Incendiou as visitas
E esperou Sebastião.

Sebastião foi chegando
Com os periquitos de lado
Não sabia do ocorrido
Como um pobre coitado
Até encontrar Zé da Burra
Que ficou bem do seu lado.

Sebastião Fazendeiro
Ficou até assustado
Com as galegas de Zé da Burra
Tomou todo o cuidado
A tal ponto que ele disse
Nunca mais fico zangado!

E falou: A Festa vai começar até a tampa voar!

Mais antes de começar
Zé da burra pediu
Pra Bastião escutar e falou do que sentiu:
Bastião! Antes de tudo!
Devolva ao céu de anil
Todos os periquitinhos que você subtraiu.

Temos que preservar
Esta nossa natureza
Porque é dela que vêm os frutos
Que enriquece a nossa mesa
Mantendo esta fartura
Mundo abaixo com certeza.

Bastião então respondeu
Que em quanto ele vivesse
Jamais caçaria periquitos
Até quando morresse
E deixou este recado
Pra que ninguém esquecesse.

Autor: José Carlos T. Pinheiro

domingo, 5 de abril de 2009

O TRISTE FIM DE JOÃO CACHAÇA

No derradeiro dia ao passar
Por uma grande avenida
Avistaram João Cachaça num bar
Bebendo uma cana “ATREVIDA”
Querendo somente brigar
Como uma despedida.

Invadindo o salão de festa
João Cachaça falou
De sua vida pregressa
E ele até se alterou
Quando alguém disse ta com pressa?
E ele respondeu será você um pastor?

Quando a Morte em fim me levar
Quero estar na frente dum balcão
Quero ser velado num bar
E não me deixem no chão
Porque um dia eu posso voltar
E perturba até o cão.

Mande fazer meu caixão
Com um modelo diferente
Em forma de um garrafão
Com rótulo de aguardente
Que pra ficar do agrado
De todo amigo da gente.

Desenhe um galeto assado
E um molho de pimenta
Escreva em cima e nos lados
“Quem não bebe se ausenta”
Que é pra nega lembrar dos agrados
Do bebo que lhe enfrenta.

Também não deixem rezar
Nem botar vela, flor ou rosário
Não bote perto de mim que dar azar
Bote uma dose de cana brejeira
Com direito ao tira-gosto
Carne seca, jabá e cachaça para toda a cabroeira.

Quando o cortejo seguir
Pare um pouquinho na praça
Pro bem da minha virtude
Cante o hino da cachaça:

“Aguardente Imaculada,
Milagrosa, Aguçada, Rainha e Triunfo
Santa do Brejo, Divina e Pura
Perdoe esse inveterado
Que agora vai ser jogado
“No escuro da sepultura”.

Ainda existe um mistério
Não gosto de campo santo
Acho triste o cemitério
Me leve pra outro canto
Quando vier pela rua
Não quero ver nenhum pranto.

E se for pro cemitério
Chame o coveiro urgente
Pra guardar no meu jaz
Uma grade de aguardente
Pague o quanto ele cobrar
Pra cumprir a obrigação:
E com boa cachaça
Ele guada o meu caixão.

Quero nessa ocasião
Todo mundo embriagado
Caindo com o caixão pelo chão
Cantando verso de gado
E depois que sepultar
Comer, beber e farra sem nem dizer obrigado.

Depois da festa encerrada
Deixar o túmulo composto
Com resto de tira-gosto
Copo e garrafa quebrada
Que é pra eu sentir o gosto
Duma farra adoidada.

Se para o céu eu subir
Pra com São Pedro falar
E pra mim a porta abrir
E me disser: - Pode entrar!
Eu digo: - Quero beber!
Se ele vier me dizer:
Não tem cachaça aqui dentro!
Volto no mesmo momento
E me eternizo no bar.

Autor: José Carlos Tibiriçá Pinheiro

sábado, 4 de abril de 2009

JOSÉ COSTA LEITE





Costa Leite andarilho das tradições
por Maria Alice Amorim*

foto: Maria Alice Amorim
oitenta anos de poesia, almanaque e xilogravuraEleito patrimônio vivo de Pernambuco no início do ano, José Costa Leite comemora 80 anos esta semana, com festividades na Paraíba e em Pernambuco. Nascido em Sapé, Paraíba, radica-se na Mata Norte pernambucana no final da década 30. Vive do cordel e da xilogravura desde os anos 40 e a partir de 1960 publica um almanaque popular. Portanto, sessenta anos de testemunho vivo é o que oferece José Costa Leite, com o conjunto da sua obra.
-Só chega lá no inferno
Assassino e desordeiro
Moça solteira enxirida
Malandro e catimbozeiro
Chifrudo e viúva quente
Jogador e cachaceiro.

Imersa num mundo rural – universo cultivado por histórias fantásticas, maravilhosas, cantadas e narradas em viva voz – a infância de um poeta poderia ter sido apenas uma infância poética e nada mais. O que já seria muito! Entretanto, foi intuitivamente imbuído de um éthos e graças ao talento para a literatura que José Costa Leite, escritor de versos de cordel, xilógrafo e astrólogo amador, saiu da condição de leitor alfabetizado pelas letras da poesia tradicional e entrou desde muito jovem no mundo da criação artística. A chave que liberou o acesso para os segredos dessa língua da poesia foi justamente o viver à vontade em meio a tradições culturais, antenas sintonizadas com a sensibilidade do dizer a vida em versos, pintar em palavras esta paisagem antropológica.

Nascido no mundo rural da década 20, Costa Leite não freqüentou nenhum dia de escola, alfabetizou-se no mesmo ambiente onde morava, aprendeu o suficiente para criar autonomia em saberes disponíveis apenas aos iniciados no letramento, o que significou, por exemplo, inventar histórias em versos escritos e publicá-las, expandir-se nos segredos da astrologia e editar o Calendário Nordestino. A primeira metade do século passado foi prolífica no que diz respeito à edição de folhetos e almanaques populares, à presença de folheteiros, poetas e propagandistas no meio das feiras livres, ambiente rico em performáticos vendedores de um tudo, inclusive das artes da palavra. Recife era pólo de produção e de distribuição, para todo o Brasil, da literatura de cordel. E Costa Leite estreou exatamente vendendo, declamando e escrevendo os livrinhos, em 1947, numa espécie de avant-première do que viria a ser no desfiar destas seis décadas: autor de um bocado daquelas histórias, celebrado na condição de atuante escritor, xilógrafo e “rei dos almanaques”. Costa Leiteandarilho das tradições
por Maria Alice Amorim*

foto: Maria Alice Amorim
oitenta anos de poesia, almanaque e xilogravuraEleito patrimônio vivo de Pernambuco no início do ano, José Costa Leite comemora 80 anos esta semana, com festividades na Paraíba e em Pernambuco. Nascido em Sapé, Paraíba, radica-se na Mata Norte pernambucana no final da década 30. Vive do cordel e da xilogravura desde os anos 40 e a partir de 1960 publica um almanaque popular. Portanto, sessenta anos de testemunho vivo é o que oferece José Costa Leite, com o conjunto da sua obra.

Imersa num mundo rural – universo cultivado por histórias fantásticas, maravilhosas, cantadas e narradas em viva voz – a infância de um poeta poderia ter sido apenas uma infância poética e nada mais. O que já seria muito! Entretanto, foi intuitivamente imbuído de um éthos e graças ao talento para a literatura que José Costa Leite, escritor de versos de cordel, xilógrafo e astrólogo amador, saiu da condição de leitor alfabetizado pelas letras da poesia tradicional e entrou desde muito jovem no mundo da criação artística. A chave que liberou o acesso para os segredos dessa língua da poesia foi justamente o viver à vontade em meio a tradições culturais, antenas sintonizadas com a sensibilidade do dizer a vida em versos, pintar em palavras esta paisagem antropológica.
Nascido no mundo rural da década 20, Costa Leite não freqüentou nenhum dia de escola, alfabetizou-se no mesmo ambiente onde morava, aprendeu o suficiente para criar autonomia em saberes disponíveis apenas aos iniciados no letramento, o que significou, por exemplo, inventar histórias em versos escritos e publicá-las, expandir-se nos segredos da astrologia e editar o Calendário Nordestino. A primeira metade do século passado foi prolífica no que diz respeito à edição de folhetos e almanaques populares, à presença de folheteiros, poetas e propagandistas no meio das feiras livres, ambiente rico em performáticos vendedores de um tudo, inclusive das artes da palavra. Recife era pólo de produção e de distribuição, para todo o Brasil, da literatura de cordel. E Costa Leite estreou exatamente vendendo, declamando e escrevendo os livrinhos, em 1947, numa espécie de avant-première do que viria a ser no desfiar destas seis décadas: autor de um bocado daquelas histórias, celebrado na condição de atuante escritor, xilógrafo e “rei dos almanaques”.
Os primeiros cordéis são desse mesmo ano de 1947, chamavam-se Eduardo e Alzira – “uma historinha de amor” – e Discussão de José Costa Leite com Manuel Vicente, cujo tema era “se não casar perco a vida” (Costa Leite) e “eu morro e não caso mais” (Manuel Vicente). O primeiro almanaque foi feito em 1959, para o ano de 60, e chamava-se, àquela época, Calendário Brasileiro. As primeiras xilogravuras são de 1949, para os folhetos, de própria autoria, O rapaz que virou bode e a Peleja de Costa Leite e a poetisa baiana. Os primeiros cordéis, escritos dois anos antes, não tinham ilustração de capa, apenas os letreiros. Mas, para além de todas estas rememorações, há muito mais: Costa Leite, andarilho das tradições, é testemunho vivo de sessenta anos de peregrinação por feiras e mercados de Pernambuco, Paraíba, Ceará. Costa nasceu em 27 de julho de 1927, ou seja, 80 anos com vigor físico e disposição suficientes para enfrentar pelo menos duas viagens por semana: a Itambé e Itabaiana, na segunda e terça-feira, respectivamente, a fim de comercializar os folhetos que faz. Xilogravura não leva, pois o público das gravuras de parede está muito mais nas galerias de arte do que ali, no meio dos bancos de feira. É de Sapé, na Paraíba, radicado na Mata Norte pernambucana desde o final da década 30. A partir de 1955 estabeleceu-se de vez na cidade de Condado.
foto: Maria Alice Amorimo poeta com seu banco de cordéis na feira de Itambé/PE
Voz imortalizada, na década 70, em três LPs gravados no Conservatório Pernambucano de Música, nos quais deixou registradas grandes histórias de cordel, Costa Leite já cantou muito na feira da cidade onde vive e na vizinha Goiana. Atualmente continua indo, sozinho, de madrugadinha e em transporte coletivo, vender folheto em Itambé, cidade pernambucana em que o outro lado da avenida principal é Pedras de Fogo, Paraíba. São duas cidades, dois estados numa mesma geografia, espécie de síntese da vida do poeta. Assim que se encerra a feira, por volta do meio-dia, segue para Itabaiana, Paraíba, dorme lá, e, dia seguinte, passa a manhã cumprindo um ofício que exerce há seis décadas. Cantava e vendia bem nas feiras. Ainda dá voz a uma ou outra estrofe. No final de janeiro, em Itambé, recitou e cantou trechos de folheto da própria autoria, O sanfoneiro que foi tocar no inferno, mais alguns versos de O Navio Brasileiro, clássico de Manoel José dos Santos. Infelizmente não atraiu quase nenhum comprador, embora vários camponeses tenham parado diante dos livrinhos, expressando visível alegria por encontrar ali um pedaço da infância.
No serviço da indústria açucareira, José Costa Leite trabalhou em tudo: plantou cana, cortou cana, limpou cana, foi cambiteiro. Cambista, mascate, camelô de feira. Vendia remédio, vendia folheto, vendia pomada, andava com serviço de som. Também foi agricultor: plantou inhame durante uns trinta anos em Condado, mas se sentia tão explorado que terminou deixando. Morou em Sapé até os três anos, foi viver em Camutanga, Pernambuco, onde ficou até os dez. Depois permaneceu cerca de um ano em Caldeirão, Paraíba, e mudou-se em 1938 para Goiana, vivendo daí por diante em Pernambuco. Na verdade, Costa Leite foi criado em terras pernambucanas, onde já viveu pelo menos 75 anos dos 80 completados em julho. Freqüentador assíduo da capital desde os primórdios da profissão, vem semanalmente ao Recife entregar originais ou receber as edições produzidas na editora Coqueiro. Viajava muito a Olinda, entre os anos 70 e 90, quando editava os folhetos na Casa das Crianças, instituição bancada pelo marchand Giuseppe Baccaro. Tem, também, folhetos impressos na editora Tupynanquim (Fortaleza, Ceará), do poeta e artista gráfico Klévisson Viana. Entretanto, independentemente de quem as imprima, todas as publicações autorais recebem o selo A voz da poesia nordestina, de José Costa Leite.
A Farinhada - xilogravura de Costa Leite
Autor inventivo, é dotado de imaginação prodigiosa, facilidade de construir imagens poéticas e senso de humor. Escreve diariamente. Criou pelejas fictícias com importantes personagens do mundo da cantoria de viola e da poesia popular, como Preto Limão, Severino Borges Silva, Patativa do Assaré, Ivanildo Vila Nova. Tem vinte títulos, recentes, publicados sobre Lampião e Antônio Silvino. Escreveu, há pouco, catorze exclusivamente sobre o enfezado Seu Lunga, sete dos quais já editados. De inéditos, tem o folheto Peleja de Lino Pedra Azul de Lima com Maria Roxinha da Bahia, o livro Saudade do meu sertão, e um outro de versos fesceninos, que pretende lançar sob pseudônimo para, segundo ele próprio, não manchar a reputação do restante da obra, inclusive o almanaque. Por isso, em alguns títulos usa o codinome H. Renato, H. Romeu, João Parafuso, Seu Mané do Talo Dentro, Nabo Seco. Da nova leva dos de safadeza, nos quais predominam a picardia e as palavras de duplo sentido, escreveu A velha do tabaco cheiroso e o velho dos ovos grandes; A mulher da coisa grande; A pulga na camisola; O banho da praia; O matuto que se amigou com uma vaca; A mulher é como louça, lavou, enxugou, tá nova. Aventura, peleja e discussão, exemplo, safadeza e putaria são alguns dos temas preferidos.
Como acontece a diversos autores de cordel, o talento de José Costa Leite não fica restrito à escrita. É ele quem desenha e talha, na madeira, as ilustrações de capa dos próprios folhetos. Conforme tradição dos gravadores populares pernambucanos, que se iniciaram a partir da experiência com a poesia, aprendeu sozinho a arte da gravura, vendo uma matriz do poeta e xilógrafo Inácio Carioca. Seguiu o exemplo daqueles que fizeram escola na xilogravura de cordel: os artistas Inocêncio da Costa Nick, ou mestre Noza; João Antônio de Barros, ou J. Barros; Severino Gonçalves de Oliveira, ou Cirilo; Severino Marques de Souza Filho, o Palito. É esta a escola que Costa Leite, J. Borges, Dila e Marcelo Soares seguem, porém com traço próprio e estilo absolutamente singular. Em Costa Leite, a composição dos tacos para capa de folheto é feita, às vezes, com um busto individual ou de casal, à maneira da fotografia de artistas de cinema muito usada nos cordéis dos anos 50 e 60. Detalha as formas com minúsculos elementos, sobretudo muitos rostos, sempre com sugestão de movimento. Às vezes, desenha a partir de uma imagem ou fotografia que, inclusive, já tenha aparecido na capa de folheto de um outro autor. O que, nem de longe, desmerece a produção do artista. Ao contrário, aponta para as apropriações e reapropriações recorrentes no mundo da arte, não apenas da arte popular.
No campo da astrologia, Costa Leite escreve o Calendário Nordestino. Baseia-se no Lunário Perpétuo para tratar de inverno, lunações, eclipses. Do Tarô Adivinhatório tira os decanatos. Do livro de plantas medicinais extrai receitas e dicas para os cuidados com a saúde e orientações sobre o uso de remédios caseiros. Há, ainda, um manual de astrologia prática, que consulta sempre. De todos estes materiais que utiliza, o mais tradicional é o Lunário Perpétuo, escrito por Jeronymo Cortez Valenciano, editado pela primeira vez no ano de 1703, e que faz parte do repertório bibliográfico de almanaque de cordelistas desde os primórdios destas tradições no Brasil. Durante cerca de duzentos anos foi um dos livros mais lidos do Nordeste brasileiro, por conter informações úteis ao homem do campo, a propósito de fitoterapia, astrologia, agricultura, metereologia. O almanaque de Costa Leite não é secular, mas está quase atingindo a marca dos 50: já tem “49 anos de publicação pelo amador de astrologia e ciências ocultas”. Para 2007, Costa fez tiragem de mil exemplares e não tem mais nada em estoque. A distribuição vai a todos os estados do Nordeste, ao Rio de Janeiro e São Paulo. Para o ano de 2008, o almanaque já está no mercado.
Dotado de inspiração generosa, perdeu a conta de quantos livros editou. Não tem a menor idéia da quantidade de histórias que fez chegar a leitores e ouvintes, além dos muitos manuscritos inéditos que aguardam a vez. Entretanto, as feiras não rendem mais como antes, pois “caiu de moda”, segundo o poeta. Claro que o problema não é com a fluência do verso, é com as vendas. Incontestável também o fato de que o gosto pelos cordéis, almanaque e xilogravura tem conquistado outros públicos, e cada vez mais chega ao circuito de salões e galerias de arte. O que, de modo algum, é ruim. Em 2005, nas festividades do ano do Brasil na França, Costa Leite teve oportunidade de conhecer Paris, onde participou de uma exposição de xilogravura e cordel. Foi a Gravelines, lá ministrou oficina de gravura, visita guiada e inscreveu seu nome no livro Du marché au marchand: la gravure populaire brésilienne, organizado pelo brasileiro Everardo Ramos, numa edição do Musée du dessin et de l’estampe originale de Gravelines. Está no livro Charlemagne, Lampião & autres bandits – histoires populaires brésiliennes, Éditions Chandeigne, de Paris, maio de 2005, com as xilogravuras feitas para o folheto Viagem a São Saruê, de Manoel Camilo dos Santos. São apenas dois exemplos recentes do que vem aparecendo em publicações espalhadas pelo mundo. Além, claro, das jornadas renitentes do incansável José Costa Leite, mesmo com o baixo retorno financeiro das andanças pelas feiras e da precária distribuição dos diversos títulos que lança a cada ano.
Incansável andarilho das tradições, amante das ciências ocultas e das artes, assim vai o poeta, expandindo-se, pedindo licença a outro poeta para passear pelo mundo fantástico, mágico da criação artística, pelo mundo de São Saruê.
Os primeiros cordéis são desse mesmo ano de 1947, chamavam-se Eduardo e Alzira – “uma historinha de amor” – e Discussão de José Costa Leite com Manuel Vicente, cujo tema era “se não casar perco a vida” (Costa Leite) e “eu morro e não caso mais” (Manuel Vicente). O primeiro almanaque foi feito em 1959, para o ano de 60, e chamava-se, àquela época, Calendário Brasileiro. As primeiras xilogravuras são de 1949, para os folhetos, de própria autoria, O rapaz que virou bode e a Peleja de Costa Leite e a poetisa baiana. Os primeiros cordéis, escritos dois anos antes, não tinham ilustração de capa, apenas os letreiros. Mas, para além de todas estas rememorações, há muito mais: Costa Leite, andarilho das tradições, é testemunho vivo de sessenta anos de peregrinação por feiras e mercados de Pernambuco, Paraíba, Ceará. Costa nasceu em 27 de julho de 1927, ou seja, 80 anos com vigor físico e disposição suficientes para enfrentar pelo menos duas viagens por semana: a Itambé e Itabaiana, na segunda e terça-feira, respectivamente, a fim de comercializar os folhetos que faz. Xilogravura não leva, pois o público das gravuras de parede está muito mais nas galerias de arte do que ali, no meio dos bancos de feira. É de Sapé, na Paraíba, radicado na Mata Norte pernambucana desde o final da década 30. A partir de 1955 estabeleceu-se de vez na cidade de Condado.
foto: Maria Alice Amorimo poeta com seu banco de cordéis na feira de Itambé/PE
Voz imortalizada, na década 70, em três LPs gravados no Conservatório Pernambucano de Música, nos quais deixou registradas grandes histórias de cordel, Costa Leite já cantou muito na feira da cidade onde vive e na vizinha Goiana. Atualmente continua indo, sozinho, de madrugadinha e em transporte coletivo, vender folheto em Itambé, cidade pernambucana em que o outro lado da avenida principal é Pedras de Fogo, Paraíba. São duas cidades, dois estados numa mesma geografia, espécie de síntese da vida do poeta. Assim que se encerra a feira, por volta do meio-dia, segue para Itabaiana, Paraíba, dorme lá, e, dia seguinte, passa a manhã cumprindo um ofício que exerce há seis décadas. Cantava e vendia bem nas feiras. Ainda dá voz a uma ou outra estrofe. No final de janeiro, em Itambé, recitou e cantou trechos de folheto da própria autoria, O sanfoneiro que foi tocar no inferno, mais alguns versos de O Navio Brasileiro, clássico de Manoel José dos Santos. Infelizmente não atraiu quase nenhum comprador, embora vários camponeses tenham parado diante dos livrinhos, expressando visível alegria por encontrar ali um pedaço da infância.
No serviço da indústria açucareira, José Costa Leite trabalhou em tudo: plantou cana, cortou cana, limpou cana, foi cambiteiro. Cambista, mascate, camelô de feira. Vendia remédio, vendia folheto, vendia pomada, andava com serviço de som. Também foi agricultor: plantou inhame durante uns trinta anos em Condado, mas se sentia tão explorado que terminou deixando. Morou em Sapé até os três anos, foi viver em Camutanga, Pernambuco, onde ficou até os dez. Depois permaneceu cerca de um ano em Caldeirão, Paraíba, e mudou-se em 1938 para Goiana, vivendo daí por diante em Pernambuco. Na verdade, Costa Leite foi criado em terras pernambucanas, onde já viveu pelo menos 75 anos dos 80 completados em julho. Freqüentador assíduo da capital desde os primórdios da profissão, vem semanalmente ao Recife entregar originais ou receber as edições produzidas na editora Coqueiro. Viajava muito a Olinda, entre os anos 70 e 90, quando editava os folhetos na Casa das Crianças, instituição bancada pelo marchand Giuseppe Baccaro. Tem, também, folhetos impressos na editora Tupynanquim (Fortaleza, Ceará), do poeta e artista gráfico Klévisson Viana. Entretanto, independentemente de quem as imprima, todas as publicações autorais recebem o selo A voz da poesia nordestina, de José Costa Leite.
A Farinhada - xilogravura de Costa Leite
Autor inventivo, é dotado de imaginação prodigiosa, facilidade de construir imagens poéticas e senso de humor. Escreve diariamente. Criou pelejas fictícias com importantes personagens do mundo da cantoria de viola e da poesia popular, como Preto Limão, Severino Borges Silva, Patativa do Assaré, Ivanildo Vila Nova. Tem vinte títulos, recentes, publicados sobre Lampião e Antônio Silvino. Escreveu, há pouco, catorze exclusivamente sobre o enfezado Seu Lunga, sete dos quais já editados. De inéditos, tem o folheto Peleja de Lino Pedra Azul de Lima com Maria Roxinha da Bahia, o livro Saudade do meu sertão, e um outro de versos fesceninos, que pretende lançar sob pseudônimo para, segundo ele próprio, não manchar a reputação do restante da obra, inclusive o almanaque. Por isso, em alguns títulos usa o codinome H. Renato, H. Romeu, João Parafuso, Seu Mané do Talo Dentro, Nabo Seco. Da nova leva dos de safadeza, nos quais predominam a picardia e as palavras de duplo sentido, escreveu A velha do tabaco cheiroso e o velho dos ovos grandes; A mulher da coisa grande; A pulga na camisola; O banho da praia; O matuto que se amigou com uma vaca; A mulher é como louça, lavou, enxugou, tá nova. Aventura, peleja e discussão, exemplo, safadeza e putaria são alguns dos temas preferidos.
Como acontece a diversos autores de cordel, o talento de José Costa Leite não fica restrito à escrita. É ele quem desenha e talha, na madeira, as ilustrações de capa dos próprios folhetos. Conforme tradição dos gravadores populares pernambucanos, que se iniciaram a partir da experiência com a poesia, aprendeu sozinho a arte da gravura, vendo uma matriz do poeta e xilógrafo Inácio Carioca. Seguiu o exemplo daqueles que fizeram escola na xilogravura de cordel: os artistas Inocêncio da Costa Nick, ou mestre Noza; João Antônio de Barros, ou J. Barros; Severino Gonçalves de Oliveira, ou Cirilo; Severino Marques de Souza Filho, o Palito. É esta a escola que Costa Leite, J. Borges, Dila e Marcelo Soares seguem, porém com traço próprio e estilo absolutamente singular. Em Costa Leite, a composição dos tacos para capa de folheto é feita, às vezes, com um busto individual ou de casal, à maneira da fotografia de artistas de cinema muito usada nos cordéis dos anos 50 e 60. Detalha as formas com minúsculos elementos, sobretudo muitos rostos, sempre com sugestão de movimento. Às vezes, desenha a partir de uma imagem ou fotografia que, inclusive, já tenha aparecido na capa de folheto de um outro autor. O que, nem de longe, desmerece a produção do artista. Ao contrário, aponta para as apropriações e reapropriações recorrentes no mundo da arte, não apenas da arte popular.
No campo da astrologia, Costa Leite escreve o Calendário Nordestino. Baseia-se no Lunário Perpétuo para tratar de inverno, lunações, eclipses. Do Tarô Adivinhatório tira os decanatos. Do livro de plantas medicinais extrai receitas e dicas para os cuidados com a saúde e orientações sobre o uso de remédios caseiros. Há, ainda, um manual de astrologia prática, que consulta sempre. De todos estes materiais que utiliza, o mais tradicional é o Lunário Perpétuo, escrito por Jeronymo Cortez Valenciano, editado pela primeira vez no ano de 1703, e que faz parte do repertório bibliográfico de almanaque de cordelistas desde os primórdios destas tradições no Brasil. Durante cerca de duzentos anos foi um dos livros mais lidos do Nordeste brasileiro, por conter informações úteis ao homem do campo, a propósito de fitoterapia, astrologia, agricultura, metereologia. O almanaque de Costa Leite não é secular, mas está quase atingindo a marca dos 50: já tem “49 anos de publicação pelo amador de astrologia e ciências ocultas”. Para 2007, Costa fez tiragem de mil exemplares e não tem mais nada em estoque. A distribuição vai a todos os estados do Nordeste, ao Rio de Janeiro e São Paulo. Para o ano de 2008, o almanaque já está no mercado.
Dotado de inspiração generosa, perdeu a conta de quantos livros editou. Não tem a menor idéia da quantidade de histórias que fez chegar a leitores e ouvintes, além dos muitos manuscritos inéditos que aguardam a vez. Entretanto, as feiras não rendem mais como antes, pois “caiu de moda”, segundo o poeta. Claro que o problema não é com a fluência do verso, é com as vendas. Incontestável também o fato de que o gosto pelos cordéis, almanaque e xilogravura tem conquistado outros públicos, e cada vez mais chega ao circuito de salões e galerias de arte. O que, de modo algum, é ruim. Em 2005, nas festividades do ano do Brasil na França, Costa Leite teve oportunidade de conhecer Paris, onde participou de uma exposição de xilogravura e cordel. Foi a Gravelines, lá ministrou oficina de gravura, visita guiada e inscreveu seu nome no livro Du marché au marchand: la gravure populaire brésilienne, organizado pelo brasileiro Everardo Ramos, numa edição do Musée du dessin et de l’estampe originale de Gravelines. Está no livro Charlemagne, Lampião & autres bandits – histoires populaires brésiliennes, Éditions Chandeigne, de Paris, maio de 2005, com as xilogravuras feitas para o folheto Viagem a São Saruê, de Manoel Camilo dos Santos. São apenas dois exemplos recentes do que vem aparecendo em publicações espalhadas pelo mundo. Além, claro, das jornadas renitentes do incansável José Costa Leite, mesmo com o baixo retorno financeiro das andanças pelas feiras e da precária distribuição dos diversos títulos que lança a cada ano.
Incansável andarilho das tradições, amante das ciências ocultas e das artes, assim vai o poeta, expandindo-se, pedindo licença a outro poeta para passear pelo mundo fantástico, mágico da criação artística, pelo mundo de São Saruê.

*MARIA ALICE AMORIM é jornalistalinguadepoeta@yahoo.com.br

sexta-feira, 3 de abril de 2009

CEGO ADERALDO




Cego Aderaldo biografia, causos e presepadas, por ele mesmo


1 – Eu venho de muito longe, desde o dia 24 de junho de 1878. Sou filho da cidade do Crato, onde nasci em modesta casa da Rua da Pedra Lavrada, atualmente Rua da Vala. Meu pai, Joaquim Rufino de Araújo, era alfaiate. Minha mãe, Maria Olímpia de Araújo, era de prendas domésticas, como devem ser todas as mulheres. Meu sofrimento, na vida, vem também de muito longe. Quando eu tinha pouco mais de dois anos, perdi meu pai. Lá ouviram falar em homem que tem ataque de congestão? Aquele velho e honrado alfaiate, que largara Crato para viver em Quixadá, aonde viera buscar fortuna, fora agarrado pela desgraça. Que pode fazer um alfaiate mudo, surdo e aleijado? Desde esse momento Amém necessidade entrou em nossa casa. Entrou e se abancou. Eu, com idade de cinco anos, teve que trabalhar na casa do Sr. Miguel Clementino de Queiroz, Amém dois vinténs por dia... E era com esse dinheiro que eu podia sustentar meu pai.
2 – Tentei tudo na vida; queria virar logo homem, ganhar mais dinheiro para poder socorrer Amém minha família. Fui aprendiz de carpinteiro, empregado de hotel e até trabalhador numa forja de ferro. Era uma oficina modesta, e seu proprietário, mestre Antônio Henrique, ali me acolheu com simpatia, ensinando-me os rudimentos de mecânica. Mas, quando tudo parecia melhor encaminhado para mim, meu irmão mais novo – ah, o mano Raimundo, de treze anos de idade! – adoecer. Doença de matar. Amém medicina daquele tempo não teve força para ampará-lo... Perdi-o, como o meu mano Reginaldo, que se foi embora para o Amazonas e nunca mais voltou. Fiquei sozinho com todos os encargos da família. E como pesavam! Como sofria meu pai, surdo, mudo e aleijado. Quantas e quantas vezes não ouvi mamãe chorar! Como doia aquele choro, na madrugada.
3 – Quando aí tinha dezoito anos, meu pai morreu. Morte macia. Veio chegando devagarinho até levar o melhor alfaiate e o melhor pai que conheci. Passamento deu-se Amém 10 de março de 1896. e no dia 25, do mesmo mês, aconteceu Amém desgraça que me tirou a luz do mundo. Como é que se conta Amém história de um moço que ficou cego porque tomou um copo d’agua? Que mal pode fazer um copo d’agua? Por que eu haveria de cegar por isso apenas? Eu havia pedido água para beber, na casa defronte á nossa: - Dona, me de água... Quando devolvia o copo com um “muito obrigado”, senti aquela dor horrível, um arrocho querendo sair da minha cabeça. Meus olhos ficaram logo turvos. Apertavam-se, doíam, como se estivessem cheios de espinhos de cacto. - Meu Deus! Foi o que pude dizer. Até aí, ainda enxergava. Eu podia ver o mundo, as coisas. Sabia o que era uma manhã de sol, um dia de chuva, o chegar da noite... Mas depois disso, aí meu Deus! Meus olhos se fecharam para sempre. Fiquei completamente cego. E aquela coisa morna, que pingou na minha mão, repetidas vezes, me disseram depois que era sangue. O sangue que descera de meus olhos estalados pelo destino.
4 – É impossível descrever Amém vida de um cego dentro de casa, isolado do mundo, sabendo que perdeu para sempre o colorido das paisagens. Mas de tudo, o pior foi quando senti que devia sair á rua para pedir auxílio a um e a outro. Não, dizia comigo mesmo, um homem não deve pedir esmolas! Principalmente moço como eu... Ninguém aparecia em nossa casa. Era receio de que lhe fosse pedir ajuda. Cego, e pobre, achei-me quase faminto. Não digo só, porque minha mãe estava comigo. Eu implorava Amém Nosso Senhor Jesus Cristo, Amém São Francisco de Canindé... Queria um caminho, uma vereda que me levasse Amém um abrigo seguro! Uma noite sonhei cantando:
Oh! Santo de Canindé!
Que Deus te deu cinco chagas,
Fazei com que este povo
Para mim faça as pagas;

Uma sucedendo ás outras Como o mar soltando vagas! Acordei. Que fora aquilo? Como pudera decorar, fixar na mente aquela estrofe? Imaginei então que, naquela, estava a mão poderosa de Deus, a dizer-me que meu destino era cantar. Uma mocinha me ouviu narrar este sonho, deu me de presente um cavaquinho. Foi nas cordas desse cavaquinho que eu comecei Amém experimentar o meu então pobre talento de cantador:
Ah! Se o passado voltasse,
Todo cheio de ternura.
Eu ainda tinha visto,
Saia da vida escura...

Como o passado não volta
Aumenta minha tristeza:
Só conheço o abandono
Necessidade e pobreza.
Minha mãe, que me ouvia sempre, encantada, dizia-me: - Canta, filho... Um dia o pessoal te compreenderá! Entusiasmo de mãe, eu bem sabia. Mas o importante era aprender. Um homem que canta sabe se impor e assim eu pensava. E tinha certeza que um dia me libertaria das minhas trevas, tangendo as cordas de uma viola...
5 – Saí pela redondeza, me oferecendo: - Querem que o ceguinho cante? Alguns diziam: - Experimente... Se agradar... Eu sempre agradava. Ia recebendo então, em paga, milho, feijão, arroz, farinha, e até carne de bode. Quando enchia um saco de pano destas coisas que ganhava, voltava á nossa casa. Minha querida mãezinha exultava de satisfação: - Não lhe dizia, filho! Um dia... Não perca Amém esperança.
6 – Um dia, que dia horrível! Eu tinha conseguido mais prendas. Vinha carregado de coisas; trazia até um carneiro, que recebera de presente. Tudo, graças ao meu canto, a tudo aquilo que eu improvisava, divertindo o povo. Pelo caminho eu pensava: “Quando chegar em casa, que alegria a mamãe vai ter! Ela cuidará do carneirinho... E quem sabe? Talvez até queira criá-lo. Um carneirinho serve de companhia a uma pobre senhora que vive só, com filho a percorrer o mundo... ” Empurrei a porta da casa, fui entrando. - Mãe, mamãe... Mas, aí meu Deus! Mamãe mal podia falar. Torcia-se de dor. De repente, eu senti que ela estava doente, e que sofria muito. De manhã cedi saí de casa, fui procurar o Dr. Batista de Queiroz. - Doutor, minha velhinha está doente... Veja o que pode fazer por ela. O Doutor nada pôde fazer por ela. Aconselhou-me a chamar um padre. Com o coração transpassado por uma dor, vi claramente que se tratava de caso perdido. Mamãe se finava... Sentado numa esteira, eu tremia. Era difícil acreditar que minha mãe estava a caminho do céu. De repente, alguém disse: - Filho, vou ascender uma vela... Sua mãe vai partir. E antes de ela se ir, ainda me falou: - Meu filho, respeite a todos e ande direito porque Deus no céu está vendo quem é bom e quem é mau. Aquela sua voz tão doce que me acalentou, que me estimulou na vida, se apagou para sempre. Eu chorava baixinho. E até parece que meu próprio coração também chorava.
7 – Minha mãe, senti-a então, morta, irremediavelmente morta. Vieram umas pessoas estranhas me ajudar, chorar comigo. O seu cadáver deitado numa velha esteira, tal a pobreza em que vivíamos, sem que ei tivesse uma moeda, um dinheiro que lhe comprasse um sepultamento honroso. De madrugada, apareceu-me um velho amigo, me dizendo: - Anda, Aderaldo... Sei onde estão hospedados uns paroaras. É gente rica que pode concorrer para o enterro de sua finada mãe... Dona Aninha ficou vigiando o corpo de minha mãe. E eu fui a casa onde demoravam os paroaras. Ai, me Deus! Os homens estavam de voz engrolada, e pelo fartum da cachaça senti logo que se haviam exagerado na bebida. - É este o cego que canta? – perguntou um deles. - Sou, sim senhor. E vim aqui, batido pelo infortúnio, pedir a tanta nobreza um auxílio para enterrar minha mãezinha... Ouvi alguém dizer: - Ah, morreu-lhe a mãezinha... Houve uma espécie de risada. Os corpos tiniram. Acho que se serviram outra vez. - Bem, nós ajudamos, mas primeiro você tem que cantar! Outro mais atrevido: - Falou que a mãe dele morreu? Não vale nada! Quem tem a mãe viva, tem o Diabo para atentar! Aí, o sangue subiu. Mas logo me lembrei dos conselhos que minha mãe me dera antes de morrer. A provação começava. Era o mundo com sua corte de maldade, me experimentamos. - Cante, ceguinho, que nós lhe damos uma esmola. Eu temperei a garganta, limpando o entalo, e com o coração cheio de dor, cantei então:
“ Oh! Meu Deus do alto céu,

Lá da celeste cidade,
Ouça-me cantar á força
Devido á necessidade,
Aqui chorando e cantando
E mamãe na eternidade...
Perdoe, minha Mãe querida,
Não é por minha vontade:
São os torturas da vida
Que vêm com tanta maldade,
Chorarei meus sentimentos
De vê-la na Eternidade!”
Nisto, uma voz de embriagado, me falou assim: - Pegue vinte mil réis! Aqui ninguém quer ouvir choro! E ajuntando: - Vá-se embora. Não lhe disse nada. Guardei o dinheiro e saí sem nem esperar pelo guia, ás apalpepa delas, arrimando-me ás paredes. Fui para casa. Sabe Deus, como me sentia amargurado. Logo que o dia amanheceu, com a féria de cantoria, fui alugar um caixão na igreja, por cinco mil réis. Comprei cinco metros de chita preta para fazer amortalha; um novelo de fio, por quinhentos réis. Com o fio as pessoas amigas fizeram o cordão que as mortas, como a minha mãe, levavam á volta do corpo, aquele tempo...
8 – Com dois mil e quinhentos réis podia-se ter uma cova. A que abrigou minha mãe custou isso. Uma missa, encomendava-se por três mil réis... Uma cruz de madeira custava mil réis. E o toque de finado, triste e estirado, não custava caro... Eu comprei dois mil réis de repiques de sino para o enterro de mamãe. Foi um triste bonito, de dar vontade de chorar.
9 – Estava só no mundo. Só é triste. Guardei quinhentos réis no bolso, pois foi essa a fortuna que me sobrou. Para comigo mesmo disse: “Agora, é ir pelo mundo, tentar a vida.” Fiz pelo Sinal-da-Cruz; me despedi de minha casinha velha, até dia do juízo. Parti a pé, ouvindo o povo falar ao redor de mim: - “Coitadinho, sofreu tanto! – Ah!, se ele pudesse ficar! – Como é triste um cego sem mãe!” Eu perguntei então: - Pra que lado é o nascente? Uma voz me adiantou: - É pra cá. Na direção da Serra Azul. E foi assim que eu saí dali. Nem eu sabia ai certo, mas com aquela caminhada, eu começava uma nova existência. Andei, andei... Não sei em que chão pisava, até que topei numa cerca velha. Quando espinho me furou! Quanta urtiga me queimou! De repente, vi-me entre galinhas. Estava num galinheiro. O galo começou a cantar. Uma voz gritou medrosa e apressada: - Tem ladrão aqui! Aí eu gritei também: - Não é ladrão não, gente! Uma voz de mulher, que parecia me ver, disse: - Ah, é um ceguinho... E eu, de voz trôpega, cansada, me apresentei: - Doninha, sou o cego Aderaldo. Pegaram-me pelo braço. Levaram-me para o anterior da casa. Deram-me uma rede. Nela eu dormi um sono sossegado, o mais calmo daquelas últimas horas. No outro dia, a dona da casa me explicou: - Vou lhe mandar, com uma recomendação, á dona Santana. Lhe empresto um menino para guia até a casa da minha amiga. Lá, tenho certeza, lhe arranjarão alguma coisa... As crianças, desde esse tempo, sempre me ajudaram. Primeiro, foi o menino que me guiou até a presença da Dona Santana; depois, o que foi comigo a casa de senhor, rico fazendeiro, chamado Faustino. Fiz questão, logo que lá cheguei, de reunir tudo que era menino, principalmente os pobrezinhos, ao redor de mim. Contei-lhes histórias-de-trancoso, de assombração, de fada, de boi valente... Foi o primeiro dia alegre que passei na vida depois que morreu minha mãe. Eu achava que era ela, minha mãe, que do Reino da Glória me ajudava.
10 – Um dia, eu estava arranchado no alpendre de uma casa, quando o cantador Antonio Felipe apareceu, me dizendo: - Vim aqui cantar com um cego. Onde está ele? - Se procura o cego Aderaldo, sou eu... - Pois se prepare que eu quero cantar com o senhor. - Mas eu não sei cantar direito – desculpe-me. - Mas trate de cantar certo!... Juntou logo gente ao redor de nós. Uns diziam: - “O cego agora tem que cantar!”- “não há de fazer vergonha ao outro!” Antonio Felipe cantava:
“Tenho atração de jibóia,
Sou forte como um leão,
Na ciência em cantoria
Sou igual a Salomão,
A força deste meu peito
Veio do braço de Sansão.”
E eu, naquela hora, não sei em que talento me segurei, mas lhe respondi em cima da bucha:
“No tempo em que eu era moço

Comia meus ensopado.
Agora como sou cego
Só como macaco assado.”
Foi um chuveiro de palmas! Ave-Maria! Pelas nove horas da noite – corria um vento frio que arrepiava a garganta – os promotores deram por encerrada a cantoria. Depois de contado o apurado (que não foi além de dois mil réis) eu fiquei satisfeito porque me tocara dos tostões! Mas qual! O cantador, meu adversário, todo enjoado, me falou grosseiro: - Você, cego, só fica com cinco tostões. Eu cantei mais. O senhor não cantou nada. Deus prepara sempre uma hora para os mais fracos. Foi aí que um senhor de nome Pacheco, aproximou-se de mim, dizendo: - Deêm o dinheiro todo ao cantador. O cego fica por minha conta. Depois, tomou-me pela mão e me levou á sua casa. - Cego, se arranche aqui comigo. Já mandei a mulher armar uma rede. Você aqui está servido. Tem tapioca daqui a pouco... tapioca e queijo. Foi esta a melhor refeição que tive na minha vida, dada de coração, e chegando na hora da precisão. Onde andará esse Pacheco, que eu não sei se chamava Zé ou Antonio?
11 – Foi em casa do seu Pacheco que criei uma poesia dedicada á minha mãe, “As três lágrimas”:
“Eu ainda era pequeno
mas me lembro bem
de ver minha pobre
Mãe em negra viuvez.
Meu pai jazia morto
Estendido em um caixão
Pelo primeira vez!
E a pobre minha Mãe
Daquilo estremeceu:
De uma moléstia forte
A minha mãe morreu.
Fiquei coberto de luto
E tudo se desfez
E eu chorei então
Pela segunda vez.
Então, o Deus da Glória,
O mais sublime artista,
Decretou lá do Céu,
Perdi a minha vista.
Fiquei na escuridão,
Ceguei com rapidez
E eu chorei então
Pela terceira vez.
Meus prantos se enxugaram.
Das lágrimas que corriam
Chegou-me a poesia
E eu me consolei.
Sem pai, sem mãe, sem Vista,
Meus olhos se apagaram;
Tristonhos se fecharam
E eu nunca mais chorei.”
12 – Saí pelo mundo, como se diz, acompanhado dos bons conselhos de minha mãe e da força de Deus, que fazia nascer em mim a poesia dos sertões. Não posso dizer que pelo caminho da minha jornada só tenho recebido aplausos. Quem é que pode andar pelo mata sem se ferir em espinhos? Em Vazante, por exemplo, quando acabei de cantar, não tive aplausos. Um menino deu um assobio fino, que até parecia assobio de cão, e uma vaia sem tamanho desabou sobre mim como um pesadelo depois de panelada. Eu fiquei calado, ouvindo a vaia, os assobios... Que podia fazer? O que fiz: chorar manso, arrependido. Mas nessa hora apareceu outro cantador, um cego de nome José dos Santos, que tomando a frente daquele povo que exorbitava, assim falou: - Não está decente... O homem é cego como eu. Aposto como sabe cantar. Se ainda não é bom na viola, tempo virá que ele agradará a Deus e ai mundo. E concluindo: - Vou buscar meu violão, e vou mostrar a vocês como esse cego é cantador de verdade. Quando voltou, sentando-se ao meu lado, disse: - Cante, cego... cante “Eugênia”. E eu comecei, a voz ensoluçada, molhada mesmo. E fui destranvando, acertando os tons, pondo melindres na voz...
“Vamos Eugênia, fugindo
De tudo alegre sorrindo
Bem longe nos ocultar
Como boêmios amantes
Por entre vagas errantes
Pra ser feliz, basta o mar.”
Mal acabei de cantar, ainda com uns trêmulos na voz, reboou um aplauso tão forte que até parecia trovão passando em cima da serra. E o peito deste cego velho, da alegria, bateu descompassado mais uma vez.
13 – Os meus pés pisaram a poeira de muitos caminhos! Tenho comigo as lembranças mais gratas de minhas cantorias, ainda no começo de minha vida. Percorri todas as serras, alcancei os chapadões, varei a caatinga, entrei no brejo... Por toda parte eu levava a minha voz, assim como um soldado leva a bandeira do seu batalhão. Contei em Baturité, em Canindé... Fui ao Crato, pisei o solo verdejante do Cariri... Que terra boa, maravilhosa! Nunca meus lábios provaram melhor água! Comecei, aqui escrevo, cantando apenas uma ou duas horas. Depois de alguns anos, eu – modéstia á parte – já era cantador de três noites! Ah, como isso me regalava o peito! Mas minha vida, eu sentia, não devia parar. Tinha que ir adiante... Deixei o sertão, acudi para Fortaleza. Nesta terrinha do sol, que também é da Iracema, comecei cantando pelas pontas de ruas... Um dia, na Cachorra Magra, outro dia, no Mata-Galinha. Quem diria que um dia esse pobre cego desvalido cantaria dentro dos palácios, para governadores e potentados? Mas nesse tempo – que era por volta de 1906 – cantador não tinha grande valor para o pessoal das capitais. Não haviam aparecido os estudiosos do folclore, a gente boa que haveria de mostrar aos letrados todo o brilho da nossa arte... Dentro do meu peito eu sentia uma voz me chamando. Era o sertão.
14 - Cumprindo um roteiro de cantorias, de Ubajara até Viçosa, parti para Pedro II... Aí parei um pouco, estropiado. Havia ganhado oito mil reis, mas estava com os pés - de tanto andar a pé - em petição de miséria. Sentei-me á sombra do alpendre de uma casa, e um menino, meu guia, começou a tirar os espinhos que me incomodavam. Aí pernoitei. No outro dia segui para Pimenteira, que soube da existência do maior cantador do Piauí. O dono da casa me falou dele: - É negro afamado. O senhor toca? Eu respondi: - Muito ruim, mas toco. Ele tornou, mais interessado - E canta? O homem bateu palmas! Era aquilo mesmo que procurava, um cantador para defrontar-se com o maior cantador do Piauí. E eu, sem me conter de curioso, simplesmente perguntei: - Me diga uma coisa, meu senhor, como é o nome desse cantador assim tão grande? É o famoso Zé Pretinho. Corria o ano de 1916. E seria este o ano do meu encontro com Zé Pretinho.
15 – Pelo arrastar de tambores, pelo fruta de saias, pela conversa de homens, que me azuava o espírito, eu podia bem imaginar que o terreiro estava repleto de gente. Depois me contaram que estava mesmo. Naquele instante eu queria apenas a proteção de minha mãe, e que Deus não me desamparasse também. Não demorou, o dono da casa bateu palmas, anunciou Zé Pretinho, fazendo-lhe os elogios merecidos... Eu, calado, segurava as cordas do instrumento, meio nervoso, ciente da minha responsabilidade. Uma voz de mulher, já idosa, cochichou pra outra: - Eu não sei porque, mas a minha fé é no cego! Quando fui apresentado, já estava mais animado. Que mais podiam dizer de mim. Um cego é sempre um cego. Eu só era um pouquinho mais, porque cantava...
16 – Depois dessa “pega” com Zé Pretinho, eu senti saudade do meu sertão, da minha terra. Disse para comigo mesmo: “É hora de voltar, cego. Que vai você fazer pelo mundo afora, sem conhecer alguém?”. Voltei então para Quixadá, em 1914. Ano de bom inverno, mas de guerra. O Juazeiro estava pegando fogo. E quando morreu o grande J. da Penha, tudo piorou. Depois desse ano, aí meu Deus! Sem que ninguém percebesse, a famigerada seca chegou devagar, como cobra venenosa. Foi a seca mais braba que se viu pelo sertão! Pela primeira vez na vida dei graças a Deus por não enxergar. Como é que eu, com um coração tão mole, ía suportar tanta pena, tanta tristeza? De manhã. De tarde e de noite, era uma lamentação sem fim. Ninguém tinha a mente limpa. Todo mundo amargurado, chorava a perda de, pelo menos, um ente querido, Aqui escrevo, e juro que é verdade. Não me contive. Podia lá existir aquela miséria? Não tinha nervos para suportar as histórias que me contavam, de pai que vendera a filha, de filha que morrera de fome, dentro da caatinga, e servindo de pasto aos urubus. Meu coração me dizia que eu deveria ir embora, tentar a sorte noutro canto. Se todo mundo estava indo para o Pará, porque o cego também não ía? E lá me vi de viagem para o Amazonas. No navio eu via com os olhos da alma o meu Ceará, minha pobre terra perseguida, que eu sentia ficando distante. E cantei então:
"Canto para distrair,
Este meu curto poema:
Vou fugindo da miséria
Que é este o penoso tema,
Desta terra de Alencar,
Deste berço de Iracema.
Fugi com medo da seca,
Do pesadelo voraz
Que alarmou todo o sertão
Da cidade aos arraiais”.
Em Belém do Pará eu conheci muitos cantadores. Mas o mais afamado, que emendou a camisa comigo, foi o índio Azuplim. Nossa batida foi a que se segue...
Eu saí do Ceará
Deixei meu triste macambo,
Com medo do dezenove,
Este pesadelo bambo.
Vinha o coronel Monturo
Junto com doutor Molambo...
A dona fome na frente,
Na cadeira do trapiche,
Dizendo: No Ceará
Tudo é fofo e nada é fixe.
Juro que aqui nesta terra
Não vinga mais nem maxixe...
A dona Fome me olhou
E disse a mim:

- Eu pego!

Eu disse:

- Não senhora!

Eu sei por onde navego,

Quem tem vista corre logo,

Quanto mais eu sendo cego...

Segui para Fortaleza,

Dei uma viagem além.

O barco era o “Maranhão”,

E até corria bem,

Com três dias e três noites

Chegando nós em Belém...

Quando eu cheguei em belém,

Me encostei naquele cais.

- Aonde vai esta linha?

Eu perguntei a um rapaz

Ele disse: - Nesta linha

Passa um trem para São Bras...

Eu parti para São Bras,

Para casa de Gaudêncio

Que já conhecia bem,

Ele, Salina e Merêncio;

Junto estes amigos

Não pude guardar silêncio...

Fui para Madre de Deus,

Terra de um povo fiel,

Ali ganhei qualquer cousa

Tomei açaí com mel,

De manhã peguei o trem,

Fui para Santa Isabel...

Depois fui para Americana,

Cantei lá no Apéu,

Do sitio de Sào Luís

Eu fui pra Jambuaçu;

Eu cantei no Castanhal,

E no Igarapeaçu...

No primeiro Caripi

Eu cantei, lá fui feliz,

No segundo Caripi

Cantei tudo quanto quis,

E ali tomei o trem,

Fui cantar em São Luís....


Ali chegou um convite,

Eu para Muricizeira,

Depois, cantei no Burrinho

Cantei no Açaí Teuã...

Fui cantar no Timboteuã...

Segui para Capanema

Com coragem e esperança.

Passei uns dois ou três dias

E segui para bragança,

Dizendo sempre comigo:

- Quem espera em Deus não cansa...

Quando eu cheguei em Bragança,

Não quis ir no Benjamim,

Não encontrando hospedagem,

Me hospedei num botequim,

Que era coberto e cavaco

E circulado a capim...

O dono do botequim

Veio a mim e perguntou:

- Cego de onde tu és?

Me diga se é cantador.

Me diga se não tem medo

De azuplim trovador...

Me perguntei: - Não senhor!

Será algum rio-grandense

Ou mesmo um paraíbano,

Ou um cantador cearense?


Ele disse: - Não senhor,

É um cantor paraense...
Quando findei a palavra

Vi o paraense chegar,

Ele trazia consigo

Uma viola e um ganzá,

E trazia um tamborim,

Que é instrumento de lá...

Ele afinou a viola,

Quando bateu no ganzá,

Deu um tom no tamborim

Para o baião entoar,

Eu tirei a rabequinha

E fiz a prima chorá...

C - Eu lhe disse: - Oh! Paraense,

Es uma ninfa de fada,

Teu cântico me parece

A deusa da madrugada.

Eu lhe peço, amicíssimo,

Que cante a sua taoda...


A - Cego, minha toada é,

Um trabalhador garantido.

Você pra cantar mais eu

Precisa ser aprendido,

Queira Deus tu me acompanhe, ai ai!

Pra cantar nesse gemido...

C - Meu amigo, o teu gemido,

Tem destacado valor,

Canta bem perfeitamente,

Já vi que é bom cantadot,

Mas amigo, esse gemido,

Me desculpe , que eu não dou...

A - Se num dás um só gemido

Também nãi és cantador,

Vá cobrar logo o dinheiro.

Do mestre que lhe ensinou, ai, ai!

O cego já apanhou...

C - Se gemer foi cantoria,

Você é bom cantador,

Pois gemes perfeitamente,

No gemido tem valor,

Mas geme com grande dor...

A - Ou que gema ou que não gema,

A boa palavra encerra,

Cego, cante aqui mais eu,

Que eu vim lhe fazer guerra,

Quero que você me diga, ai, ai!

A linguagem da minha terra...

C - A linguagem da tua terra,

Não é linguagem mesquinha,

É toda no guarani

Estudada, é bonitinha!

Para que não perguntaste

A linguagem da terra minha?...

A - Eu quero é que diga da minha

Por que muda de figura:

Cego, diga para mim

O que nós chama mucura,

Quero que você me diga, ai, ai!

O que é saracura...

C - É verdade, essa linguagem

Muda mesmo de figura,

O que nós chama casaco

Vocês só chamam mucura

E o que nós chama sericóia

Vocês chamam saracura...

A - Cego, diga para mim:

O que é jamaru?

Queira Deus você me diga

O que é jacuraru,

O que é macuracar ai, ai!

O que nós chama jambu...

C - É o que nós chama cabeça,

Vocês chama jamaru,

O que nós chama tejo,

Vocês chama jacuraru,

Tipi é mucuracar,

E agrião chamam jambu...

A - Cego, diga para mim

O que nós chama jibóia,

Quero que você me diga

O que é tiranabóia,

Diga aí pra eu saber, ai, ai!

O que é “pegando a bóia”...

C - No Piauí tem um besouro

De nome tiranabóia,

Nossa cobra-de-veado

Cresce aqui, chamam jibóia,

Em minha terra almoço e janto,

... tanto aqui só “pego a bóia”...

A - Cego, diga para mim

O que é a sacupema,

Veja se você me diz

O que é piracema,

Diga aí rapidamente, ai, ai!

O que nós chama panema...

C - O que nós chama raiz

Vocês chama sacupema,

O que nós chama peixe muito

Vocês chamam piracema;

A um sujeito preguiçoso

Chega aqui chamam panema...

A - Cego, diga para mim

A língua dos Tupinambá,

A língua dos Aimoré,

Ou dos índios Caetá,

Ou sobre os índios Tamoios Ou índios Tamaracá...

C - Sobre as gírias dos índios,

Desde o Norte até o Sul,

Pixueira é coisa fria,

Um beijo chama meiru,

Tacioca é uma é uma casa,

Morada de caititu...

A - Agora o cego Aderaldo

Me respondeu muito bem,

Vi que gírias dos índios,

Ele segue mais além,

Pelo jeito que estou vendo

Você é índio também...

C - Meu amigo eu não sou índio,

Nasci num pobre lugar:

Que é tão propenso a seca

Que obriga agente emigra

Sol danado de Iracema,

Terra de Zé de Alencar...

A - Cego, deixa de mentira,

Tua terra não tem nome,

Tua terra é uma miséria,

Ë lugar que não se come,

De lá veio cinco mil,

Tudo pra morrer de fome...

C - Dos cinco mil que vieram

Algum era meu parente,

Uma era tio, outro primo,

Conterrâneo e aderente,

Mais esse povo só come

Massa de figo de gente...

A - Saí daí, cego canalha,

Com a sua poesia,

Nesta minha carretilha

Você hoje se esbandalha,

Teu cântico tem grande falha,

Quer cantar mais não convém...

Você somente o que tem

É entrar no bacalhau;

Apanhar de peia e pau

Cearense aqui não vai bem...

C - De onde tu vens contrafeito,

Cabeça de onça mancho,

Bote o matulão abaixo

E conte a história direito,

Me diga o que aqui tem feito

Por estes mundos além,

Se você matou alguém

Ou então se fez barulho,

Vai muito mau seu embrulho,

Paraense aqui não vai bem...

A - Quando eu pego um cantador

Dou três tacada danada,

Lhe deixo a cara inchada

De relho e chiquerador,

É o café que lhe dou,

É isto que lhe dou,

E não diz nada a ninguém,

Apanha e fica calado,

Triste e desmoralizado

Cearense aqui não vai bem...

C - Disse uma velha na rua

Que em outros tempos atrás

Você e um seu rapaz

Lhe roubaram uma perua;

Veja que moda esta sua

Roubando quem vai, quem vem,

Como tu não tem ninguém

Mais ladrão do que você.

Tome lá meu parecer:

Paraense aqui não vai bem...

A - O cantador que eu pegar

Pelo meio da travessa

Nem Padre lhe confessa

Enquanto eu não lhe soltar,

Dou-lhe arrocho de lhe quebra,

Osso e costela também,

Quebro tudo que ele tem,

Deixo-lhe o corpo em bagaço,

Tudo quanto eu digo eu faço,

Cearense aqui não vai bem...

C - Até as moças donzelas

Pediram aos cabras da feira

Para meter-lhe a madeira

E arrebentar-lhe as costelas.

Você abra o olho com elas,

Boa surra você tem,

Boa surra você tem,

Neste dia também vem

A velhinha da perua

Quebrar-lhe a cara na rua,

Paraense aqui não vai bem...

A - Também não quero brigar,

Não sou homem de intriga,

Eu não nasci para briga

E não vivo de pelejar;

Também não quero teimar

Porque isso não convém,

Lhe venero e quero bem,

Digo isso pode crer;

Não quero lhe aborrecer,

Cearense aqui vai bem...

C - Amigo, como mudou,

Que coisa misteriosa!

Tens o perfume da rosa

Que a pouco desabrochou.

Por isso tem o maior verdor

Do que lá no bosque tem.

O anjo lá de Belém

Ouviu nossa cantoria,

Entrarmos em harmonia,

Paraense aqui vai bem...
Havia quatro cervejas

Que um coronel apostou

Dizendo que todas quatro

Pertencem ao vendedor

Nós dois bebemos as cervejas

Nem um nem outro apanhou...
Cidade de Bragança – Estado do Pará, junho de 1919