sábado, 4 de abril de 2009

JOSÉ COSTA LEITE





Costa Leite andarilho das tradições
por Maria Alice Amorim*

foto: Maria Alice Amorim
oitenta anos de poesia, almanaque e xilogravuraEleito patrimônio vivo de Pernambuco no início do ano, José Costa Leite comemora 80 anos esta semana, com festividades na Paraíba e em Pernambuco. Nascido em Sapé, Paraíba, radica-se na Mata Norte pernambucana no final da década 30. Vive do cordel e da xilogravura desde os anos 40 e a partir de 1960 publica um almanaque popular. Portanto, sessenta anos de testemunho vivo é o que oferece José Costa Leite, com o conjunto da sua obra.
-Só chega lá no inferno
Assassino e desordeiro
Moça solteira enxirida
Malandro e catimbozeiro
Chifrudo e viúva quente
Jogador e cachaceiro.

Imersa num mundo rural – universo cultivado por histórias fantásticas, maravilhosas, cantadas e narradas em viva voz – a infância de um poeta poderia ter sido apenas uma infância poética e nada mais. O que já seria muito! Entretanto, foi intuitivamente imbuído de um éthos e graças ao talento para a literatura que José Costa Leite, escritor de versos de cordel, xilógrafo e astrólogo amador, saiu da condição de leitor alfabetizado pelas letras da poesia tradicional e entrou desde muito jovem no mundo da criação artística. A chave que liberou o acesso para os segredos dessa língua da poesia foi justamente o viver à vontade em meio a tradições culturais, antenas sintonizadas com a sensibilidade do dizer a vida em versos, pintar em palavras esta paisagem antropológica.

Nascido no mundo rural da década 20, Costa Leite não freqüentou nenhum dia de escola, alfabetizou-se no mesmo ambiente onde morava, aprendeu o suficiente para criar autonomia em saberes disponíveis apenas aos iniciados no letramento, o que significou, por exemplo, inventar histórias em versos escritos e publicá-las, expandir-se nos segredos da astrologia e editar o Calendário Nordestino. A primeira metade do século passado foi prolífica no que diz respeito à edição de folhetos e almanaques populares, à presença de folheteiros, poetas e propagandistas no meio das feiras livres, ambiente rico em performáticos vendedores de um tudo, inclusive das artes da palavra. Recife era pólo de produção e de distribuição, para todo o Brasil, da literatura de cordel. E Costa Leite estreou exatamente vendendo, declamando e escrevendo os livrinhos, em 1947, numa espécie de avant-première do que viria a ser no desfiar destas seis décadas: autor de um bocado daquelas histórias, celebrado na condição de atuante escritor, xilógrafo e “rei dos almanaques”. Costa Leiteandarilho das tradições
por Maria Alice Amorim*

foto: Maria Alice Amorim
oitenta anos de poesia, almanaque e xilogravuraEleito patrimônio vivo de Pernambuco no início do ano, José Costa Leite comemora 80 anos esta semana, com festividades na Paraíba e em Pernambuco. Nascido em Sapé, Paraíba, radica-se na Mata Norte pernambucana no final da década 30. Vive do cordel e da xilogravura desde os anos 40 e a partir de 1960 publica um almanaque popular. Portanto, sessenta anos de testemunho vivo é o que oferece José Costa Leite, com o conjunto da sua obra.

Imersa num mundo rural – universo cultivado por histórias fantásticas, maravilhosas, cantadas e narradas em viva voz – a infância de um poeta poderia ter sido apenas uma infância poética e nada mais. O que já seria muito! Entretanto, foi intuitivamente imbuído de um éthos e graças ao talento para a literatura que José Costa Leite, escritor de versos de cordel, xilógrafo e astrólogo amador, saiu da condição de leitor alfabetizado pelas letras da poesia tradicional e entrou desde muito jovem no mundo da criação artística. A chave que liberou o acesso para os segredos dessa língua da poesia foi justamente o viver à vontade em meio a tradições culturais, antenas sintonizadas com a sensibilidade do dizer a vida em versos, pintar em palavras esta paisagem antropológica.
Nascido no mundo rural da década 20, Costa Leite não freqüentou nenhum dia de escola, alfabetizou-se no mesmo ambiente onde morava, aprendeu o suficiente para criar autonomia em saberes disponíveis apenas aos iniciados no letramento, o que significou, por exemplo, inventar histórias em versos escritos e publicá-las, expandir-se nos segredos da astrologia e editar o Calendário Nordestino. A primeira metade do século passado foi prolífica no que diz respeito à edição de folhetos e almanaques populares, à presença de folheteiros, poetas e propagandistas no meio das feiras livres, ambiente rico em performáticos vendedores de um tudo, inclusive das artes da palavra. Recife era pólo de produção e de distribuição, para todo o Brasil, da literatura de cordel. E Costa Leite estreou exatamente vendendo, declamando e escrevendo os livrinhos, em 1947, numa espécie de avant-première do que viria a ser no desfiar destas seis décadas: autor de um bocado daquelas histórias, celebrado na condição de atuante escritor, xilógrafo e “rei dos almanaques”.
Os primeiros cordéis são desse mesmo ano de 1947, chamavam-se Eduardo e Alzira – “uma historinha de amor” – e Discussão de José Costa Leite com Manuel Vicente, cujo tema era “se não casar perco a vida” (Costa Leite) e “eu morro e não caso mais” (Manuel Vicente). O primeiro almanaque foi feito em 1959, para o ano de 60, e chamava-se, àquela época, Calendário Brasileiro. As primeiras xilogravuras são de 1949, para os folhetos, de própria autoria, O rapaz que virou bode e a Peleja de Costa Leite e a poetisa baiana. Os primeiros cordéis, escritos dois anos antes, não tinham ilustração de capa, apenas os letreiros. Mas, para além de todas estas rememorações, há muito mais: Costa Leite, andarilho das tradições, é testemunho vivo de sessenta anos de peregrinação por feiras e mercados de Pernambuco, Paraíba, Ceará. Costa nasceu em 27 de julho de 1927, ou seja, 80 anos com vigor físico e disposição suficientes para enfrentar pelo menos duas viagens por semana: a Itambé e Itabaiana, na segunda e terça-feira, respectivamente, a fim de comercializar os folhetos que faz. Xilogravura não leva, pois o público das gravuras de parede está muito mais nas galerias de arte do que ali, no meio dos bancos de feira. É de Sapé, na Paraíba, radicado na Mata Norte pernambucana desde o final da década 30. A partir de 1955 estabeleceu-se de vez na cidade de Condado.
foto: Maria Alice Amorimo poeta com seu banco de cordéis na feira de Itambé/PE
Voz imortalizada, na década 70, em três LPs gravados no Conservatório Pernambucano de Música, nos quais deixou registradas grandes histórias de cordel, Costa Leite já cantou muito na feira da cidade onde vive e na vizinha Goiana. Atualmente continua indo, sozinho, de madrugadinha e em transporte coletivo, vender folheto em Itambé, cidade pernambucana em que o outro lado da avenida principal é Pedras de Fogo, Paraíba. São duas cidades, dois estados numa mesma geografia, espécie de síntese da vida do poeta. Assim que se encerra a feira, por volta do meio-dia, segue para Itabaiana, Paraíba, dorme lá, e, dia seguinte, passa a manhã cumprindo um ofício que exerce há seis décadas. Cantava e vendia bem nas feiras. Ainda dá voz a uma ou outra estrofe. No final de janeiro, em Itambé, recitou e cantou trechos de folheto da própria autoria, O sanfoneiro que foi tocar no inferno, mais alguns versos de O Navio Brasileiro, clássico de Manoel José dos Santos. Infelizmente não atraiu quase nenhum comprador, embora vários camponeses tenham parado diante dos livrinhos, expressando visível alegria por encontrar ali um pedaço da infância.
No serviço da indústria açucareira, José Costa Leite trabalhou em tudo: plantou cana, cortou cana, limpou cana, foi cambiteiro. Cambista, mascate, camelô de feira. Vendia remédio, vendia folheto, vendia pomada, andava com serviço de som. Também foi agricultor: plantou inhame durante uns trinta anos em Condado, mas se sentia tão explorado que terminou deixando. Morou em Sapé até os três anos, foi viver em Camutanga, Pernambuco, onde ficou até os dez. Depois permaneceu cerca de um ano em Caldeirão, Paraíba, e mudou-se em 1938 para Goiana, vivendo daí por diante em Pernambuco. Na verdade, Costa Leite foi criado em terras pernambucanas, onde já viveu pelo menos 75 anos dos 80 completados em julho. Freqüentador assíduo da capital desde os primórdios da profissão, vem semanalmente ao Recife entregar originais ou receber as edições produzidas na editora Coqueiro. Viajava muito a Olinda, entre os anos 70 e 90, quando editava os folhetos na Casa das Crianças, instituição bancada pelo marchand Giuseppe Baccaro. Tem, também, folhetos impressos na editora Tupynanquim (Fortaleza, Ceará), do poeta e artista gráfico Klévisson Viana. Entretanto, independentemente de quem as imprima, todas as publicações autorais recebem o selo A voz da poesia nordestina, de José Costa Leite.
A Farinhada - xilogravura de Costa Leite
Autor inventivo, é dotado de imaginação prodigiosa, facilidade de construir imagens poéticas e senso de humor. Escreve diariamente. Criou pelejas fictícias com importantes personagens do mundo da cantoria de viola e da poesia popular, como Preto Limão, Severino Borges Silva, Patativa do Assaré, Ivanildo Vila Nova. Tem vinte títulos, recentes, publicados sobre Lampião e Antônio Silvino. Escreveu, há pouco, catorze exclusivamente sobre o enfezado Seu Lunga, sete dos quais já editados. De inéditos, tem o folheto Peleja de Lino Pedra Azul de Lima com Maria Roxinha da Bahia, o livro Saudade do meu sertão, e um outro de versos fesceninos, que pretende lançar sob pseudônimo para, segundo ele próprio, não manchar a reputação do restante da obra, inclusive o almanaque. Por isso, em alguns títulos usa o codinome H. Renato, H. Romeu, João Parafuso, Seu Mané do Talo Dentro, Nabo Seco. Da nova leva dos de safadeza, nos quais predominam a picardia e as palavras de duplo sentido, escreveu A velha do tabaco cheiroso e o velho dos ovos grandes; A mulher da coisa grande; A pulga na camisola; O banho da praia; O matuto que se amigou com uma vaca; A mulher é como louça, lavou, enxugou, tá nova. Aventura, peleja e discussão, exemplo, safadeza e putaria são alguns dos temas preferidos.
Como acontece a diversos autores de cordel, o talento de José Costa Leite não fica restrito à escrita. É ele quem desenha e talha, na madeira, as ilustrações de capa dos próprios folhetos. Conforme tradição dos gravadores populares pernambucanos, que se iniciaram a partir da experiência com a poesia, aprendeu sozinho a arte da gravura, vendo uma matriz do poeta e xilógrafo Inácio Carioca. Seguiu o exemplo daqueles que fizeram escola na xilogravura de cordel: os artistas Inocêncio da Costa Nick, ou mestre Noza; João Antônio de Barros, ou J. Barros; Severino Gonçalves de Oliveira, ou Cirilo; Severino Marques de Souza Filho, o Palito. É esta a escola que Costa Leite, J. Borges, Dila e Marcelo Soares seguem, porém com traço próprio e estilo absolutamente singular. Em Costa Leite, a composição dos tacos para capa de folheto é feita, às vezes, com um busto individual ou de casal, à maneira da fotografia de artistas de cinema muito usada nos cordéis dos anos 50 e 60. Detalha as formas com minúsculos elementos, sobretudo muitos rostos, sempre com sugestão de movimento. Às vezes, desenha a partir de uma imagem ou fotografia que, inclusive, já tenha aparecido na capa de folheto de um outro autor. O que, nem de longe, desmerece a produção do artista. Ao contrário, aponta para as apropriações e reapropriações recorrentes no mundo da arte, não apenas da arte popular.
No campo da astrologia, Costa Leite escreve o Calendário Nordestino. Baseia-se no Lunário Perpétuo para tratar de inverno, lunações, eclipses. Do Tarô Adivinhatório tira os decanatos. Do livro de plantas medicinais extrai receitas e dicas para os cuidados com a saúde e orientações sobre o uso de remédios caseiros. Há, ainda, um manual de astrologia prática, que consulta sempre. De todos estes materiais que utiliza, o mais tradicional é o Lunário Perpétuo, escrito por Jeronymo Cortez Valenciano, editado pela primeira vez no ano de 1703, e que faz parte do repertório bibliográfico de almanaque de cordelistas desde os primórdios destas tradições no Brasil. Durante cerca de duzentos anos foi um dos livros mais lidos do Nordeste brasileiro, por conter informações úteis ao homem do campo, a propósito de fitoterapia, astrologia, agricultura, metereologia. O almanaque de Costa Leite não é secular, mas está quase atingindo a marca dos 50: já tem “49 anos de publicação pelo amador de astrologia e ciências ocultas”. Para 2007, Costa fez tiragem de mil exemplares e não tem mais nada em estoque. A distribuição vai a todos os estados do Nordeste, ao Rio de Janeiro e São Paulo. Para o ano de 2008, o almanaque já está no mercado.
Dotado de inspiração generosa, perdeu a conta de quantos livros editou. Não tem a menor idéia da quantidade de histórias que fez chegar a leitores e ouvintes, além dos muitos manuscritos inéditos que aguardam a vez. Entretanto, as feiras não rendem mais como antes, pois “caiu de moda”, segundo o poeta. Claro que o problema não é com a fluência do verso, é com as vendas. Incontestável também o fato de que o gosto pelos cordéis, almanaque e xilogravura tem conquistado outros públicos, e cada vez mais chega ao circuito de salões e galerias de arte. O que, de modo algum, é ruim. Em 2005, nas festividades do ano do Brasil na França, Costa Leite teve oportunidade de conhecer Paris, onde participou de uma exposição de xilogravura e cordel. Foi a Gravelines, lá ministrou oficina de gravura, visita guiada e inscreveu seu nome no livro Du marché au marchand: la gravure populaire brésilienne, organizado pelo brasileiro Everardo Ramos, numa edição do Musée du dessin et de l’estampe originale de Gravelines. Está no livro Charlemagne, Lampião & autres bandits – histoires populaires brésiliennes, Éditions Chandeigne, de Paris, maio de 2005, com as xilogravuras feitas para o folheto Viagem a São Saruê, de Manoel Camilo dos Santos. São apenas dois exemplos recentes do que vem aparecendo em publicações espalhadas pelo mundo. Além, claro, das jornadas renitentes do incansável José Costa Leite, mesmo com o baixo retorno financeiro das andanças pelas feiras e da precária distribuição dos diversos títulos que lança a cada ano.
Incansável andarilho das tradições, amante das ciências ocultas e das artes, assim vai o poeta, expandindo-se, pedindo licença a outro poeta para passear pelo mundo fantástico, mágico da criação artística, pelo mundo de São Saruê.
Os primeiros cordéis são desse mesmo ano de 1947, chamavam-se Eduardo e Alzira – “uma historinha de amor” – e Discussão de José Costa Leite com Manuel Vicente, cujo tema era “se não casar perco a vida” (Costa Leite) e “eu morro e não caso mais” (Manuel Vicente). O primeiro almanaque foi feito em 1959, para o ano de 60, e chamava-se, àquela época, Calendário Brasileiro. As primeiras xilogravuras são de 1949, para os folhetos, de própria autoria, O rapaz que virou bode e a Peleja de Costa Leite e a poetisa baiana. Os primeiros cordéis, escritos dois anos antes, não tinham ilustração de capa, apenas os letreiros. Mas, para além de todas estas rememorações, há muito mais: Costa Leite, andarilho das tradições, é testemunho vivo de sessenta anos de peregrinação por feiras e mercados de Pernambuco, Paraíba, Ceará. Costa nasceu em 27 de julho de 1927, ou seja, 80 anos com vigor físico e disposição suficientes para enfrentar pelo menos duas viagens por semana: a Itambé e Itabaiana, na segunda e terça-feira, respectivamente, a fim de comercializar os folhetos que faz. Xilogravura não leva, pois o público das gravuras de parede está muito mais nas galerias de arte do que ali, no meio dos bancos de feira. É de Sapé, na Paraíba, radicado na Mata Norte pernambucana desde o final da década 30. A partir de 1955 estabeleceu-se de vez na cidade de Condado.
foto: Maria Alice Amorimo poeta com seu banco de cordéis na feira de Itambé/PE
Voz imortalizada, na década 70, em três LPs gravados no Conservatório Pernambucano de Música, nos quais deixou registradas grandes histórias de cordel, Costa Leite já cantou muito na feira da cidade onde vive e na vizinha Goiana. Atualmente continua indo, sozinho, de madrugadinha e em transporte coletivo, vender folheto em Itambé, cidade pernambucana em que o outro lado da avenida principal é Pedras de Fogo, Paraíba. São duas cidades, dois estados numa mesma geografia, espécie de síntese da vida do poeta. Assim que se encerra a feira, por volta do meio-dia, segue para Itabaiana, Paraíba, dorme lá, e, dia seguinte, passa a manhã cumprindo um ofício que exerce há seis décadas. Cantava e vendia bem nas feiras. Ainda dá voz a uma ou outra estrofe. No final de janeiro, em Itambé, recitou e cantou trechos de folheto da própria autoria, O sanfoneiro que foi tocar no inferno, mais alguns versos de O Navio Brasileiro, clássico de Manoel José dos Santos. Infelizmente não atraiu quase nenhum comprador, embora vários camponeses tenham parado diante dos livrinhos, expressando visível alegria por encontrar ali um pedaço da infância.
No serviço da indústria açucareira, José Costa Leite trabalhou em tudo: plantou cana, cortou cana, limpou cana, foi cambiteiro. Cambista, mascate, camelô de feira. Vendia remédio, vendia folheto, vendia pomada, andava com serviço de som. Também foi agricultor: plantou inhame durante uns trinta anos em Condado, mas se sentia tão explorado que terminou deixando. Morou em Sapé até os três anos, foi viver em Camutanga, Pernambuco, onde ficou até os dez. Depois permaneceu cerca de um ano em Caldeirão, Paraíba, e mudou-se em 1938 para Goiana, vivendo daí por diante em Pernambuco. Na verdade, Costa Leite foi criado em terras pernambucanas, onde já viveu pelo menos 75 anos dos 80 completados em julho. Freqüentador assíduo da capital desde os primórdios da profissão, vem semanalmente ao Recife entregar originais ou receber as edições produzidas na editora Coqueiro. Viajava muito a Olinda, entre os anos 70 e 90, quando editava os folhetos na Casa das Crianças, instituição bancada pelo marchand Giuseppe Baccaro. Tem, também, folhetos impressos na editora Tupynanquim (Fortaleza, Ceará), do poeta e artista gráfico Klévisson Viana. Entretanto, independentemente de quem as imprima, todas as publicações autorais recebem o selo A voz da poesia nordestina, de José Costa Leite.
A Farinhada - xilogravura de Costa Leite
Autor inventivo, é dotado de imaginação prodigiosa, facilidade de construir imagens poéticas e senso de humor. Escreve diariamente. Criou pelejas fictícias com importantes personagens do mundo da cantoria de viola e da poesia popular, como Preto Limão, Severino Borges Silva, Patativa do Assaré, Ivanildo Vila Nova. Tem vinte títulos, recentes, publicados sobre Lampião e Antônio Silvino. Escreveu, há pouco, catorze exclusivamente sobre o enfezado Seu Lunga, sete dos quais já editados. De inéditos, tem o folheto Peleja de Lino Pedra Azul de Lima com Maria Roxinha da Bahia, o livro Saudade do meu sertão, e um outro de versos fesceninos, que pretende lançar sob pseudônimo para, segundo ele próprio, não manchar a reputação do restante da obra, inclusive o almanaque. Por isso, em alguns títulos usa o codinome H. Renato, H. Romeu, João Parafuso, Seu Mané do Talo Dentro, Nabo Seco. Da nova leva dos de safadeza, nos quais predominam a picardia e as palavras de duplo sentido, escreveu A velha do tabaco cheiroso e o velho dos ovos grandes; A mulher da coisa grande; A pulga na camisola; O banho da praia; O matuto que se amigou com uma vaca; A mulher é como louça, lavou, enxugou, tá nova. Aventura, peleja e discussão, exemplo, safadeza e putaria são alguns dos temas preferidos.
Como acontece a diversos autores de cordel, o talento de José Costa Leite não fica restrito à escrita. É ele quem desenha e talha, na madeira, as ilustrações de capa dos próprios folhetos. Conforme tradição dos gravadores populares pernambucanos, que se iniciaram a partir da experiência com a poesia, aprendeu sozinho a arte da gravura, vendo uma matriz do poeta e xilógrafo Inácio Carioca. Seguiu o exemplo daqueles que fizeram escola na xilogravura de cordel: os artistas Inocêncio da Costa Nick, ou mestre Noza; João Antônio de Barros, ou J. Barros; Severino Gonçalves de Oliveira, ou Cirilo; Severino Marques de Souza Filho, o Palito. É esta a escola que Costa Leite, J. Borges, Dila e Marcelo Soares seguem, porém com traço próprio e estilo absolutamente singular. Em Costa Leite, a composição dos tacos para capa de folheto é feita, às vezes, com um busto individual ou de casal, à maneira da fotografia de artistas de cinema muito usada nos cordéis dos anos 50 e 60. Detalha as formas com minúsculos elementos, sobretudo muitos rostos, sempre com sugestão de movimento. Às vezes, desenha a partir de uma imagem ou fotografia que, inclusive, já tenha aparecido na capa de folheto de um outro autor. O que, nem de longe, desmerece a produção do artista. Ao contrário, aponta para as apropriações e reapropriações recorrentes no mundo da arte, não apenas da arte popular.
No campo da astrologia, Costa Leite escreve o Calendário Nordestino. Baseia-se no Lunário Perpétuo para tratar de inverno, lunações, eclipses. Do Tarô Adivinhatório tira os decanatos. Do livro de plantas medicinais extrai receitas e dicas para os cuidados com a saúde e orientações sobre o uso de remédios caseiros. Há, ainda, um manual de astrologia prática, que consulta sempre. De todos estes materiais que utiliza, o mais tradicional é o Lunário Perpétuo, escrito por Jeronymo Cortez Valenciano, editado pela primeira vez no ano de 1703, e que faz parte do repertório bibliográfico de almanaque de cordelistas desde os primórdios destas tradições no Brasil. Durante cerca de duzentos anos foi um dos livros mais lidos do Nordeste brasileiro, por conter informações úteis ao homem do campo, a propósito de fitoterapia, astrologia, agricultura, metereologia. O almanaque de Costa Leite não é secular, mas está quase atingindo a marca dos 50: já tem “49 anos de publicação pelo amador de astrologia e ciências ocultas”. Para 2007, Costa fez tiragem de mil exemplares e não tem mais nada em estoque. A distribuição vai a todos os estados do Nordeste, ao Rio de Janeiro e São Paulo. Para o ano de 2008, o almanaque já está no mercado.
Dotado de inspiração generosa, perdeu a conta de quantos livros editou. Não tem a menor idéia da quantidade de histórias que fez chegar a leitores e ouvintes, além dos muitos manuscritos inéditos que aguardam a vez. Entretanto, as feiras não rendem mais como antes, pois “caiu de moda”, segundo o poeta. Claro que o problema não é com a fluência do verso, é com as vendas. Incontestável também o fato de que o gosto pelos cordéis, almanaque e xilogravura tem conquistado outros públicos, e cada vez mais chega ao circuito de salões e galerias de arte. O que, de modo algum, é ruim. Em 2005, nas festividades do ano do Brasil na França, Costa Leite teve oportunidade de conhecer Paris, onde participou de uma exposição de xilogravura e cordel. Foi a Gravelines, lá ministrou oficina de gravura, visita guiada e inscreveu seu nome no livro Du marché au marchand: la gravure populaire brésilienne, organizado pelo brasileiro Everardo Ramos, numa edição do Musée du dessin et de l’estampe originale de Gravelines. Está no livro Charlemagne, Lampião & autres bandits – histoires populaires brésiliennes, Éditions Chandeigne, de Paris, maio de 2005, com as xilogravuras feitas para o folheto Viagem a São Saruê, de Manoel Camilo dos Santos. São apenas dois exemplos recentes do que vem aparecendo em publicações espalhadas pelo mundo. Além, claro, das jornadas renitentes do incansável José Costa Leite, mesmo com o baixo retorno financeiro das andanças pelas feiras e da precária distribuição dos diversos títulos que lança a cada ano.
Incansável andarilho das tradições, amante das ciências ocultas e das artes, assim vai o poeta, expandindo-se, pedindo licença a outro poeta para passear pelo mundo fantástico, mágico da criação artística, pelo mundo de São Saruê.

*MARIA ALICE AMORIM é jornalistalinguadepoeta@yahoo.com.br

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